Carta aberta em defesa da audiodescrição

CONSIDERANDO que a Constituição de 1988 estabeleceu a obrigação do Estado de criar programas específicos para as pessoas com deficiência física, sensorial ou mental e facilitar seu acesso aos bens e serviços de uso coletivos;

CONSIDERANDO que o Congresso Nacional aprovou, por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008, conforme o procedimento do § 3º do art. 5º da Constituição, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de março de 2007;

CONSIDERANDO que o Governo brasileiro depositou o instrumento de ratificação dos referidos atos junto ao Secretário-Geral das Nações Unidas em 1º de agosto de 2008;

CONSIDERANDO que os atos internacionais em apreço entraram em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, em 31 de agosto de 2008;

CONSIDERANDO o disposto na Lei n.˚ 7.853, de 24 de outubro de 1989, no Decreto n.˚ 3.298, de 21 de dezembro de 1999, na Lei n.˚ 10.048, de 08 de novembro de 2000, na Lei n.˚ 10.098, de 19 de dezembro de 2000, e no Decreto n.˚ 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que estabelecem normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias, espaços e serviços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação, com prazos determinados para seu cumprimento e implementação;

CONSIDERANDO a sanção da Lei nº 10.098/2000, especificamente os artigos 2º e 17: Art. 2º Para os fins desta Lei são estabelecidas as seguintes definições:.. II – barreiras: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas, classificadas em:…d) barreiras nas comunicações: qualquer entrave ou obstáculo que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens por intermédio dos meios ou sistemas de comunicação, sejam ou não de massa; Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de barreiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alternativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunicação e sinalização às pessoas portadoras de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer;

CONSIDERANDO o Decreto nº 5.371/2004, que reformulou e estabeleceu as competências do Ministério das Comunicações e da ANATEL, no que se refere aos serviços de transmissão e retransmissão da programação de televisão, o que exigiu assim que o artigo 53 do Decreto 5.296 também fosse reformulado. Também neste mesmo ano, em outubro, o Comitê Brasileiro de Acessibilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) publicou a Norma Brasileira (NBR) 15290 que tratou da “Acessibilidade em Comunicação na Televisão”, trazendo o conceito de “descrição em áudio de imagens e sons”;

CONSIDERANDO o trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº  5.156/2013, de autoria de Eduardo Barbosa (PSDB/MG), que dispõe sobre a regulamentação do exercício da profissão de audiodescritor;

CONSIDERANDO a relevância que possui para a acessibilidade das pessoas com deficiência aos meios de comunicação e informação existentes em uma sociedade moderna, este tema foi tratado com respeito na Convenção, mas interesses diversos podem não trazer os avanços esperados, levando as pessoas com deficiência a muitas lutas, inclusive a de se cumprir a própria lei;

CONSIDERANDO que, no Relatório Final da IIIª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, ocorrida em 2012, foram apresentadas 10 propostas onde a Audiodescrição esteve presente, em quatro dos nove eixos da Conferência: esporte, cultura e lazer (1), acessibilidade (2), comunicação (6) e segurança e acesso à justiça (1);

CONSIDERANDO a Instrução Normativa nº 116/2014 da Agência Nacional do Cinema (ANCINE), que tratou sobre as normas gerais e critérios básicos de acessibilidade a serem observados por projetos audiovisuais financiados com recursos públicos federais geridos pela Agência e altera as Instruções Normativas nº. 22/03, 44/05, 61/07 e 80/08 e dá outras providências;

CONSIDERANDO a proposta de Regulamento Geral de Acessibilidade em  Telecomunicações de interesse coletivo (Consulta Pública nº 18, agosto/2015) proposta pela Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL);

CONSIDERANDO que Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei Brasileira da Inclusão(lei 13.146/2015) trouxe, dentre seus 127 artigos, dois relacionados a Audiodescrição. No primeiro deles, que trata sobre os serviços de radiodifusão de sons e imagens, é apontado que os mesmos devem permitir o uso dos seguintes recursos, entre outros, subtitulação por meio de legenda oculta, janela com intérprete da LIBRAS e Audiodescrição (Art. 67). O outro dispõe da promoção da capacitação de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais habilitados em Braille, Audiodescrição, estenotipia e legendagem, que deverá ser realizada pelo poder público, diretamente ou em parceria com organizações da sociedade civil (Art. 73). Ambos estão no capítulo que trata do acesso a informação e a comunicação;

Com base nos marcos legais elencados, nós – audiodescritores de produtos audiovisuais, espetáculos, eventos e demais modalidades de audiodescrição – e outros ativistas dos movimentos sociais em defesa dos direitos das pessoas com deficiência, diante da necessidade imperativa de regulamentação da profissão de audiodescritor e do estabelecimento de parâmetros de qualificação e certificação dos serviços prestados nesta área, propomos a viabilização das seguintes ações:

– Que os gestores públicos estaduais e o governo federal estabeleçam um canal de diálogo com os profissionais, sobretudo aqueles que já têm uma trajetória histórica na prestação do serviço, bem como os demais profissionais, qualificados e certificados por instituições renomadas, a fim de pensar medidas concretas de organização da profissão e do serviço, principalmente, nas contratações públicas;

– Que a Audiodescrição faça parte das políticas públicas de acessibilidade comunicacional e tenha garantia de recursos em eventos públicos (culturais, sociais, técnicos, científicos e políticos);

– Que o Tribunal Superior Eleitoral exija dos partidos políticos que a Audiodescrição seja garantida na Propaganda Obrigatória;

– Que o Governo Federal, através da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) e do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CONADE), promova campanhas de divulgação da Audiodescrição e de apoio a toda e qualquer demanda que venha a qualificá-la e ampliá-la;

– Que a Audiodescrição faça parte do Plano Viver sem Limite II, com recursos específicos para formação de profissionais, fomento à pesquisas relacionadas ao tema e implementação em eventos públicos;

– Que a SEDH, o CONADE e o Ministério dos Esportes, em parceria com os profissionais audiodescritores, possam pactuar coletivamente da garantia da Audiodescrição realizada por profissionais da área nas Olímpiadas e Paralimpíadas do Rio de Janeiro;

– Que a Audiodescrição faça parte do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) por meio das ações Escola Acessível e Escola Sustentável;

– Que o Ministério da Educação (MEC), em parceria com a SEDH e o CONADE, estabeleça os critérios básicos para formação de audiodescritores, assim como para os cursos de audiodescrição e profissionais habilitados para execução dos mesmos;

Que o Ministério da Educação (MEC) inclua nas políticas públicas relacionadas com a educação inclusiva a Audiodescrição como mais um dos diferentes recursos de Tecnologia Assistiva que auxiliam na aprendizagem, por meio da inserção deste recurso nos materiais utilizados nas salas de aula e nos demais processos de inclusão escolar e da capacitação de educadores e gestores do sistema educacional para que realizem descrições de imagens como mais uma ferramenta pedagógica.

Que os cursos de formação de audiodescritores sejam efetuados por instituições de ensino reconhecidas e bem avaliadas pelo Ministério da Educação, ministrados por profissionais com extensa experiência de ensino, pesquisa e/ou produção de Audiodescrição. Dessa forma, toda e qualquer atividade que envolva a Audiodescrição deve ser executada por um profissional capacitado e com formação para realizar sua função.

Reiteramos nosso compromisso com todos os preceitos já mencionados anteriormente e com a busca constante pela qualidade da Audiodescrição, no sentido de promover uma sociedade mais inclusiva e acessível. Reiteramos, também, a necessidade da valorização da Audiodescrição produzida com qualidade e respeito aos usuários. Para tanto, são necessários profissionais capacitados com formação adequada e que agreguem qualidade ao produto, aperfeiçoando-se cada vez mais nessa área de atuação.

Que o consultor em audiodescrição seja incorporado na cadeia de produção da audiodescrição de produtos audiovisuais, eventos, espetáculos e em outras modalidades de aplicação deste recurso de acessibilidade;

Que sejam estabelecidos mecanismos de feedback e avaliação dos usuários da audiodescrição relativamente à qualidade dos serviços prestados.

Por fim, nós audiodescritores abaixo relacionados, destacamos que a Audiodescrição, como um dos recursos que garantem a igualdade de oportunidades a pessoa com deficiência, deve ser priorizada na formatação de políticas públicas inclusivas no âmbito federal, estadual e municipal e nos poderes executivo, legislativo e judiciário e sua internalização nestes espaços passa pelo diálogo com os profissionais que executam o serviço.

Audiodescrição – transformando imagens em direitos!

Publicado por

Áudio-descrição: orientações para uma prática sem barreiras atitudinais

Resumo

O presente artigo lista algumas das barreiras atitudinais contra a pessoa com deficiência, mais comumente encontradas na sociedade e oferece sugestões para evitá-las, quando da oferta do serviço de áudio-descrição, técnica que descreve as imagens ou cenas de cunho visual, promovendo acessibilidade à comunicação e à informação, também para as pessoas cegas ou com baixa visão. Nesse contexto aqui também se trata de questões que envolvem a prática do áudio-descritor, se oferece orientações de como esse profissional da tradução deve atuar para evitar barreiras atitudinais em seu ofício, bem como alerta para o perigo de ações que venham limitar o exercício, a aplicabilidade e os recursos instrumentais que o áudio-descritor pode valer-se na oferta dessa tecnologia assistiva. Dá dicas de como se fazer a áudio-descrição, tanto quanto ressalta que esse gênero de tradução visual é direito constitucional brasileiro, concluindo que, portanto, a áudio-descrição deve ser garantida/oferecida sem custos aos clientes com deficiência que do serviço necessitem.
Palavras-chave: áudio-descrição, barreiras atitudinais, pessoas com deficiência, tradução visual, acessibilidade comunicacional.

Abstract

This article discusses the attitudinal barriers commonly practiced against people with disability. A series of hints are given to avoid attitudinal barriers by the audio describer and some of the bases for audio description are summarized to offer visual translators important tools for their work. It stresses the importance of recognizing audio description as an assistive technology, making the assertion that this service is due to people with visual disability without no cost. It concludes that audio describers should be free to make their choices as translators and that ruling their work withoutrobust scientific research can be both harful to audio describers and their clients, as well as to those who higher their work.
Keywords: audio description, attitudinal barriers, people with disability, visual translation, communicational accessibility.
Introdução
Durante muito tempo, as pessoas com deficiência foram vistas como incapazes de aprender e de manifestar conhecimento, sendo a elas denegado o acesso à cultura, tanto quanto ao lazer e à educação.
Na presunção de que essas pessoas nasciam por desígnio divino, que existiam para espiar pecados ou faltas cometidas por seus antecessores, nem se pensava em lhes oferecer meios de acesso à educação mais básica, menos ainda ao conhecimento científico. Assim, as pessoas com deficiência ficaram à margem da sociedade, isto é, asiladas e exiladas socialmente em instituições ou longe dos ambientes sociais.
De acordo com Chicon e Soares (2003, apud LIMA et. ali. 2004, p.09-10), ao longo do tempo, a sociedade demonstrou basicamente três atitudes distintas diante das pessoas com deficiência:
[ ] inicialmente, seguindo a seleção biológica dos espartanos, ela demonstrou menosprezar, eliminar/destruir todas as crianças mal formadas ou deficientes; os bebês que nasciam com alguma deficiência ou “deformação” eram jogados de uma montanha, eliminando-se, assim, o que não era “perfeito”. Posteriormente, numa atitude reativa, provinda da proteção e assistencialismo do Cristianismo, evidenciou-se um conformismo piedoso; e, em seguida, já na Idade Média, o comportamento da sociedade caracterizou-se pela segregação e marginalização da pessoa com deficiência, operadas pelos “exorcistas” e “exconjugadores” da época, os quais acreditavam que as pessoas com deficiência faziam parte de crenças demoníacas, supersticiosas e sobrenaturais. (grifos nossos).
Afastadas do convívio social e sem a possibilidade de estabelecerem eficientemente uma comunicação que as permitisse compartilhar saberes e atuar contributivamente na construção da sociedade em que viviam, às pessoas com deficiência foi negligenciado o acesso e, conseqüentemente, o usufruto dos bens culturais, sociais, artísticos e educacionais que as poderiam ter tornado, de fato, cidadãs.

Publicado por

  • Francisco José de Lima

    Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Coordenador do Centro de Estudos Inclusivos (CEI/UFPE); Idealizador e Formador do Curso de Tradução Visual com ênfase em Áudio-descrição “Imagens que Falam” (CEI/UFPE);Tradutor e intérprete, psicólogo, coordenador do Centro de Estudos Inclusivos. E-mail: cei@ce.ufpe.brView all article by Francisco José de Lima
  • Lívia C. Guedes

    Mestre em Educação pela UFPE. Colaboradora do Centro de Estudos Inclusivos da UFPE. Áudio-descritora.View all article by Lívia C. Guedes
  • Marcelo C. Guedes

    Áudio-descritor, Graduando em Comunicação Social: Cinema Digital.View all article by Marcelo C. Guedes

Modelos mentais em navegação de websites / Mental models in navigation of websites

Resumo

Este artigo apresenta um estudo da gênese e utilização de modelos mentais dos usuários de websites, constatando como acontece o processo cognitivo e perceptivo na interface usuário-computador, descrevendo tipos de memória (atuação no processo de aprendizagem e como se pode construir uma melhor navegação e usabilidade de interface com ergonomia), resultando em modelos mentais de navegação mais intuitivos e agradáveis, permitindo ao usuário maior controle e qualidade.

Palavras-chave: usabilidade, modelos mentais, ergonomia.

Abstract

Study of the genesis and use of mental models of users of websites, noting as the perceptual and cognitive process in computer-user interface, describing types of memory (in action learning process and how you can build a better navigation and usability of interface with ergonomic). Resulting in mental models of navigation more intuitive and enjoyable, allowing the user greater control and quality.

Keywords: usability, mental models, ergonomics.

1. Prólogo

É comprovadamente crescente a quantidade de pessoas usuárias de internet.

Segundo uma recente pesquisa do Ibope Nielsen Online, em março de 2009, foi identificado um crescimento de 12% no número de usuários ativos da internet no Brasil. O internauta residencial atingiu a marca de 25,5 milhões, considerando apenas este grupo de usuários. O número de computadores conectados à internet registrou o total de 38,2 milhões. O Ibope Nielsen Online admite que, considerando outros meios de acesso, o número de brasileiros internautas pode chegar a 62,3 milhões, levando-se em conta os acessos através de conexão dial-up e mobile a websites. Apontando um aumento de permanência conectada em 26 horas e 15 minutos, atribui-se tal crescimento à inserção de banda larga no país, como principal causa.

Então, pode-se concluir que isto seja uma tendência no cenário atual no qual o brasileiro vive, ou seja, as relações de consumo (compra online, inscrições em concursos, respostas ao poder público, com por exemplo, declaração de imposto de renda, vestibular e outros), o que leva a uma busca por esta tecnologia. Isto justifica um aumento de lan-houses em todo o país.

Os usuários entre as faixas etárias de 10 a 20 anos apresentam maior facilidade no contato com uso de computadores e a jogos eletrônicos (internet), enquanto que aqueles com idades mais elevadas apresentam um maior grau de dificuldade em usar estes recursos tecnológicos. Os dados são interessantes e preocupantes, visto que o número de usuários do público jovem é cada vez maior.

Então, é cabível perguntar: “o mundo encontra-se preparado para novos acontecimentos?” Será que as interfaces web que são projetadas estão adequadas tanto para os mais experientes quanto para os iniciantes? Será que os mapas mentais realmente estão proporcionando uma navegação consistente, intuitiva e de fácil entendimento?

Quando se relaciona os benefícios que uma interface bem constituída pode trazer às pessoas, no âmbito da acessibilidade, não se pode deixar de lado o aporte de contribuições que a ergonomia (ou Fatores Humanos) concede dentro da sua multidisciplinaridade, com base na definição oficial da IEA (International Ergonomic Association) 2000, que a considera como uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas, e à aplicação de teorias, princípios, dados e métodos a projetos, a fim de otimizar o bem estar humano e o desempenho global do sistema.

Estudos apresentados por Moraes e Mont’Alvão (2000: 11) defendem que

a única e específica tecnologia da ergonomia é a tecnologia da interface homem-sistema. A ergonomia como ciência trata de desenvolver conhecimentos sobre as capacidades, limites e outras características do desempenho humano e que se relacionam com o projeto de interfaces, entre indivíduos e outros componentes do sistema. Como prática, a ergonomia compreende a aplicação de tecnologia da interface homem-sistema a projeto ou modificações de sistemas para aumentar a segurança, conforto e eficiência do sistema e da qualidade de vida.

Segundo Memória (2005), “A utilização de breadcrumbs – migalhas de pão – auxilia na execução das tarefas de forma mais rápida, além de localizar melhor o usuário dentro da arquitetura da informação do website”.

Será que essa informação ainda é consistente para o que estamos vivendo hoje em termos de internet e no que virá pela frente?

Onde entrará a questão dos modelos mentais em navegação de websites? Qual a sua relação com as problemáticas em questão?

O objetivo deste trabalho é realizar uma observação, esclarecendo conceitualmente a importância de se proporcionar aos usuários de páginas web modelos mentais que apresentem uma boa estrutura de navegação e que sejam satisfatórias, aduzindo recomendações.

A técnica ergonômica a ser utilizada é a observação direta e indireta de entrevistas acerca da opinião de alguns usuários.

2. Memória e Percepção

Para se entender como os usuários navegam nos websites, e como são criadas suas representações mentais ou modelos mentais de navegação, precisamos definir alguns conceitos representativos, ligados ao processo de aprendizagem para os sistemas em questão.

Constantemente, somos bombardeados por uma gama de informações, estímulos, sensações que nos levam a tomar decisões, efetivar ações. Num processo cognitivo a forma como se percebe o ambiente, o repertório de informações que possui, ou seja, o quanto que se tem de conhecimento sobre algo é o que determinará quão rica será nossa experiência com o meio em questão.

Segundo Iida (2005), a percepção é o resultado do processamento de estímulos sensoriais recebidos, organizados e integrados em informação significativa, que variam de indivíduo para indivíduo, ou seja, podemos ter percepções diferentes para algo em comum, dependendo do que está armazenado em nossas memórias.

A memória trata de um modo simples como a informação é armazenada. Fialho (2000) enfatiza o surgimento de diversas correntes teóricas e de diversas origens para explicá-la. As teorias relacionadas à memória caminharam para vias opostas: a dos idealistas, que defendem uma origem ou uma natureza espiritual do sistema cognitivo humano e a dos adeptos ao materialismo científico, os quais defendem que o sistema cognitivo humano pode ser explicado a partir do esquema estímulo-resposta.

Para esclarecer o que queremos evidenciar, limitamo-nos aos três níveis de processamento citados por Iida (op cit.), que os trata como: registro sensorial, memória de curta duração e memória de longa duração. Registro sensorial são sensações e percepções que podem ou não ser transformados num registro de memória (Iida, op cit.).

Nas concepções de Broadbent (1958) a memória de curta duração é citada pelo autor como um sistema de armazenamento de curto tempo, pois trata as informações armazenadas provenientes do ambiente por um período breve de tempo.

A memória de longa duração é caracterizada por sua grande capacidade de armazenamento e recuperação através de fenômenos de ativação (Fialho, 2000).

3. Modelos Mentais e os Usuários

Antes de qualquer coisa, devemos deixar claro que modelos mentais e mapas mentais são conceitos diferentes apesar de que a eficácia de um é consequência da boa estruturação do outro, criando entre eles uma interligação em prol dos usuários de websites.

Os mapas mentais ou mapas conceituais ou ainda modelos conceituais possuem conotações e finalidades bem parecidas, tais como: representação da informação, recurso de aprendizagem e organização das ideias, podendo ser utilizados em diversas situações por diversos tipos de profissionais com o objetivo de se ter uma representação do que se quer evidenciar.

Já o mapa mental é o nome dado para um tipo de diagrama, sistematizado pelo inglês Tony Busan, voltado para a gestão de informação, de conceitos e de capital intelectual; na criação de manuais, livros e palestras (BUZAN, 2008).

Os mapas conceituais foram desenvolvidos na década de 70, pelo pesquisador norte-americano Joseph Novak (2003), que define mapa conceitual como uma ferramenta para organizar e representar o conhecimento.

Segundo Moreira e Bochweitz (1987), mapas conceituais são diagramas hierárquicos que indicam conceitos e relações entre esses conceitos.

O modelo mental é aquele que é criado no momento em que o usuário interage com as interfaces dos artefatos, são os caminhos que ele percorre até chegar à informação desejada.

Segundo Schwenk (1988), os modelos mentais são como modelos descritivos que podem explicar os modos pelos quais as pessoas deduzem explicações do passado, fazem predições sobre o futuro e escolhem alternativas no presente.

Verifica-se que, na elaboração de interfaces web, os mapas conceituais têm papel importantíssimo, influenciando na criação do modelo mental do usuário, dependendo da forma como foi concebido, o que pode ser intencional, para mantê-lo ou conduzi-lo a determinada informação, ou simplesmente o mapa mental pode ser estruturado de forma a dar maior controle e liberdade ao usuário.

4. Navegação e Usabilidade

Segundo Fleming (1998), um website será bem-sucedido se proporcionar um suporte adequado às intenções e ao comportamento do seu usuário específico.

Partindo desse pressuposto, ressalta-se a importância de se conhecer como os usuários pensam e como é trabalhada a sua percepção, como a informação é processada e armazenada, qual o mapa conceitual mais adequado para ser aplicado a determinado público, fazendo com que crie modelos mentais adequados as suas necessidades.

A utilização dos modelos conceituais bem elaborados pelos designers facilita a criação de bons modelos mentais para os usuários de websites.

Deve-se levar em consideração que se têm diferentes tipos de usuários, desde os mais experientes aos novatos, desbravando um mundo totalmente novo. Dentro destes princípios Krug cita como sua principal lei sobre usabilidade: “Não me faça pensar” Krug (2006). Esta lei trata, de uma forma bem simples, como as interfaces devem ser constituídas para facilitar a formação dos modelos mentais dos usuários.

Krug (op cit.) analisa muito bem a ideia, quando levanta as seguintes temáticas:

  1. “Nós não lemos páginas. Damos uma olhada nelas” geralmente estão apressados, sabem que não precisam ler tudo, acham que sabem tudo;
  2. “O que os projetistas criam. Os que os usuários vêem” focamos sempre em palavras e expressões que estamos executando ou colocamos sempre nossos interesses pessoais;
  3. “Não fazemos escolhas ideais. Fazemos o que é suficiente”, tendemos a supor que os usuários examinarão a página, considerarão todas as opções e escolherão a melhor. Esse é o nosso maior engano;
  4. “Não descobrimos como as coisas funcionam”.
    • “Nós apenas atingimos nosso objetivo”, não complique o óbvio, faça testes de usabilidade;
    • Projete uma navegação intuitiva, faça uso de placas indicativas, breadcrumbs (migalhas de pão), barra de utilitários;
    • Torne a navegação algo agradável, evite cliques desnecessários, sequências de submenus etc;
    • Lembre-se: o controle deve pertencer ao usuário, a ele tem que ser dado o direito de escolher o caminho ou desistir de uma tarefa.

5. Conclusão

Há muito ainda a ser trabalhado nas questões que relacionam usuário e interface web. Esta foi uma pesquisa inicial que abre precedentes para discussões futuras, ressaltando a importância do conhecimento e domínio na criação e elaboração de mapas conceituais ou mentais na navegação de websites, criando modelos mentais que proporcionem experiências de uso mais ricas, tanto para novatos quanto para os mais experientes do cyberspace.

A pesquisa confirma a tendência no crescimento de usuários e na frequência do acesso à internet, o que representa uma preocupação com relação à geração de modelos mentais mais adequados à necessidade e uso desses usuários.

Esta pesquisa mostra que é necessário fazer estudos mais detalhados com relação aos mapas mentais de navegação, que são desenvolvidos pelos projetistas; sugere que se deva realizar estudos com grupos de usuários diferentes dos citados no presente trabalho, com intenção de levantar novos dados sobre o tema, assim criando uma tabela comparativa de resultados.

7. Referências Bibliográficas

BOVO, Viviani, ERMANN, Walter. Mapas mentais. Water Ermann. 2005.
BROADBENT, D.E.. Perception and Communication. London: Pergamon. 1958.
BUZAN, Tony. The mind map book. Plume, 1996.
IEA (International Ergonomic Association) 2000.
FIALHO, Francisco Antonio Pereira, Introdução às Ciências da Cognição / Francisco Antonio Pereira Fialho. 1a Ed. – Florianópolis, SC – UNIVERSO 2000.
FLEMING, J. Web navigation: designing the user experience. Sebastopol: O’Reilly, 1998. 256p.
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística. NetRatings, B2B – 5, 2008
IIDA, I. Ergonomia: projeto e produção. São Paulo: Edgard Blucher, 2005.
KRUG, Steve Não me faça pensar 2 ed. Alta Books, 2006.
MEMÓRIA, Felipe. Design para a internet: projetando a experiência perfeita. 1 ed. Campus, 2006.
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MORAES, A.; MONT’ALVÃO, C. Ergonomia: conceitos e aplicações. 2ª edição. Rio de Janeiro. Editora 2AB, 2000. 136 p.
MOREIRA, Marco Antônio e BUCHWEITZ, Bernardo. Mapas Conceituais: Instrumentos didáticos de avaliação e de análise de currículo. São Paulo: Moraes, 1987.
NOVAK, J. D. (2003). A Summary of Literature Pertaining to the Use of Concept Mapping Techniques and Technologies for Education and Performance Support. Relatório técnico submetido ao Chief of Naval Education and Training. Pensacola, FL. Arquivo pdf disponível em: http://www.ihmc.us/users/acanas/Publications/ConceptMapLitReview/IHMC%20Literature%20Review%20on%20Concept%20Mapping.pdf.
SCHWENK, Charles R. The essence of strategic decision making. New York: Lexington Books, 1988.
INTERNAUTAS BRASILEIROS Disponível em: . Acesso em 07 de mai. 2010

Publicado por

Áudio-descrição de animação: caminho para o letramento literário das crianças com deficiência visual

Resumo

Neste trabalho conceitua-se animação como um gênero de linguagem híbrida, essencialmente visual; demonstrando o valor contributivo da animação para o letramento literário das crianças. Apresenta um roteiro possível, como exemplo de aplicação da áudio-descrição numa animação disponível na internet. Argumenta que a falta de acessibilidade a este gênero artístico/literário impossibilita às crianças com deficiência visual de vivenciarem o direito ao lazer, a cultura e a educação. Conclui que a tradução intersemiótica das animações é um caminho valoroso para que se oferte experiências formativas para as crianças com e as sem deficiência, colocando-as em equidade de oportunidades e de direitos.

Palavras-chave: animação; crianças com deficiência visual; áudio-descrição; letramento literário.

Abstract

The present article argues that animation is a textual gender of hybrid language. It shows the value of animation as means of children’s literary literacy. A script of an audio described animation is presented. And it makes the assertion that the lack of accessibility to this art genre avoids children with visual disability from experiencing the right to leisure, culture and education empowerment. It concludes that audio description of animations is a valuable way to offer such experiences, placing children with and without disabilities, on equal state of opportunities and rights.

Keywords: animation; children with visual disability; audio description; literary literacy.

Considerações iniciais

Os desenhos animados, desde a sua criação, sempre atraíram e reuniram diferentes públicos. O reconhecimento da influência deste gênero na formação linguística, ética, cultural e afetiva da pessoa humana tem originado estudos que atravessam diversas áreas do conhecimento, dentre estas, estão: a Linguística, a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia e a Pedagogia. (GIROX, 2002; BOYNARD, 2005; ESPERANÇA; DIAS, 2010).

Assim, o que antes era visto como gênero menor, destinado principalmente às crianças, passa a alcançar estágios tecnológicos e de valoração que imprimem a maioridade a oitava arte – a animação. (CÔRREA, 2006).

Este gênero nos remete ao resgate temporal acerca do momento em que o homem buscou não apenas registrar percepções, pensamentos, desejos, objetivos e devaneios através da arte pictórica, mas o momento em que, através desta arte, buscou fornecer ao leitor a ideia óptica de movimento. Este elemento constitutivo da animação ganha maior vividez através da sonoridade, do jogo claro/escuro, do uso de cores entre outros recursos que possibilitam ao leitor construir sentidos, interpretar, projetar-se na animação.

Entretanto, quando não se tem total ou parcialmente acesso a estes elementos perde-se a possibilidade de melhor apreciação da obra, isto é, a oportunidade de construir sentidos, de vivenciar a experiência catártica, de vivenciar o lúdico, construir o simbólico e de perceber representações sociais contidas nas animações.

Assim, quando a animação não está disponível num formato acessível, por exemplo sem a legendagem ou o closed caption para pessoas surdas e sem áudio-descrição [1] para pessoas com deficiência visual, as animações não beneficiam uma grande parcela de leitores/espectadores que ficam alijados do direito ao lazer, à cultura e à educação.

Dentre estes leitores/espectadores estão, em particular, as muitas crianças cegas ou com baixa visão. Para elas a falta de acessibilidade implica na impossibilidade de equidade formativa no que se refere ao letramento literário, o qual, segundo Cosson (2006), deve fornecer a cada pessoa e a todos uma maneira própria de ver e viver o mundo.

É, então, sob a percepção da falta de acessibilidade às animações e sob a atmosfera de resgate histórico e de percepção dos avanços deste gênero, que discutimos sobre: a) o conceito, o surgimento e a linguagem da animação; b) a relevância desta arte na formação cultural das crianças; c) os prejuízos que a inacessibilidade a essa arte trazem para as crianças com deficiência visual.

No decorrer deste percurso discursivo, defendemos que a áudio-descrição é um caminho contributivo para a vivência da catarse e do deleite; ponte cujo ponto de partida e de chegada é a imagem, o letramento literário, o respeito às idiossincrasias das crianças com deficiência, à efetivação do direito à cultura, ao lazer e à educação; pois a animação, recurso literário, artístico e lúdico, permeado por construções sócio-históricas, traz a perspectiva formativa de valores, de ideologias e de atitudes.

1 – Conceituando “animação”

A animação é um gênero de linguagem híbrida (composto por códigos verbais, visuais e sonoros), cujo panorama histórico e teórico é ainda esquálido. É uma arte dependente dos avanços da tecnologia e que naturalmente tem evoluído consoante os passos dos novos recursos digitais.

A animação, enquanto construção social que produz, reproduz e vivifica práticas e significados culturais, pode ser compreendida como uma das importantes formas de apreensão, reprodução e consolidação da cultura na atualidade (VILARONGA, 2009).

De acordo com Lucena Júnior (2005, p.28),

A palavra ‘animação’, e outras a ela relacionadas, deriva do verbo latino animare (‘dar a vida a’) e só veio a ser utilizada para descrever imagens em movimento no século XX. Portanto, a despeito de estar inserida no conjunto das artes visuais a animação tem no movimento a sua essência. Em verdade, o movimento tem sido motivo de dedicação por parte de desenhistas e pintores desde os tempos mais remotos.

A animação, conhecida como a oitava arte, é caracterizada pela ausência de atores e cenários naturais. Ela difere do cinema de imagem pelo seu processo de construção.      (LUCENA JÚNIOR, 2005; CRUZ, 2006; CÔRREA, 2006).

Neste sentido, Cruz (Ibidem, p. 22) afirma que

[…] afora a finalidade, são diversos os materiais que podem ser utilizados em uma animação, bem como o tratamento dado ao seu conteúdo expressivo. Além da utilização do desenho, podemos citar a animação de pinturas, bonecos, escultura, figuras digitais e, até mesmo, partes do corpo humano. As técnicas de utilização desses materiais dão origem a diversas categorias, tais como a animação tradicional, a rotoscopia, animação digital, animação de recorte, captura de movimento, animação limitada, stop motion (que inclui: animação de massinha, fantoches e bonecos, pixillation, pinscreen etc), entre outros.

Ainda sobre a conceituação da animação, esta autora (op. cit.) assegura que um erro comum de classificação é

[…] resumir a animação à movimentação de desenhos (essa tendência foi popularizada a partir da década de 1920, quando se iniciou a dominação do cartoon norte americano). Segundo Jayne Pilling (1997) o que torna a animação tão difícil de ser definida é justamente o seu caráter de mídia abrangente, a abundância de técnicas e materiais que podem ser usados na realização de um produto animado. Sob o rótulo de ‘animação’, pode ser identificada uma gama de produtos, cuja finalidade nem sempre é artística: filmes publicitários, efeitos especiais e aberturas para cinema e televisão, seriados televisivos, curtas experimentais, longas metragens de entretenimento, além de jogos eletrônicos para computador, internet e celular. (CRUZ, op.cit. p. 21)

A abrangência da animação é o fator que dificulta a construção de um conceito consensual do que seja esta arte.

A distinção entre a animação e o cinema é explicitada por Farias (s./d.) ao explicar que o filme comum registra através da câmara um movimento de 24 fotogramas por segundo. Enquanto que o filme de animação consiste no registro de fases elementares dos movimentos, interrompendo-se a filmagem após a fixação de cada fotograma. Assim, sua unidade fundamental é a imagem, não o plano.

Farias (op.cit.) esclarece, então, que o cinema de animação: compreende: 1) o filme de bonecos; 2) o filme de recortes; 3) o cinema abstrato; 4) o desenho animado; 5) mais recentemente, a animação computadorizada.

Muito embora a animação seja o resultado da união entre sons e imagens, os sons, apenas, não bastam para que se possa compreendê-la, quando não se tem o acesso visual às imagens. Então, toda aquela riqueza de possibilidades compreendida pela animação (sem a acessibilidade comunicacional) fica indisponível às pessoas com deficiência visual, colocando-as em situação de desvantagem cultural, educativa e de lazer, restringindo-as a uma apreciação, por vezes, precária, quando não inexistente, dos produtos animados. Mas de que acessibilidade comunicacional estamos falando? Da áudio-descrição, “uma técnica de tradução visual fundamentada na expressão 3C + EV: concisão, clareza, correção, especificidade e vividez” (LIMA, 2011, p. 13) [2] e que traduz eventos visuais em palavras a serem ouvidas pela leitura eletrônica ou humana (SNYDER, 2011; LIMA, Ibidem.).

2 – A linguagem da animação acessível

Quando o assunto em tela é animação e áudio-descrição é importante sinalizar como a linguagem pode ser entendida nesses contextos. Para nós, ambas construções comunicativas assumem formas e funções diferentes que se completam para atingir o objetivo da arte acessível.

A áudio-descrição é construída a partir de palavras objetivas, vívidas, imagéticas, sucintas o que traz o acesso à comunicação para a centralidade do objeto artístico traduzido em palavras. A animação é construída através da linguagem artística, desautomatizante e verossimilhante, constituída de elementos como textura, tempo, movimento etc, o que convida o leitor a viver experiências lúdicas, informativas e formativas.

A animação, constituída, portanto, por uma linguagem heterogênea, pode combinar materiais de expressão como: “a) a trilha da imagem: imagens em movimento e notações gráficas (letreiros, legendas, inscrições diversas); e b) a trilha sonora: som fônico (diálogo), som musical e som analógico (ruídos)”. (CRUZ, 2006, p. 57).

Então, o conhecimento das diferentes linguagens será necessário ao áudio-descritor para que, nas suas escolhas tradutórias, considere as especificidades da animação, bem como da áudio-descrição, pois, como diz Snyder (2011, p.3) “as escolhas áudio-descritivas são feitas com base num entendimento acerca da cegueira e da baixa visão – áudio-descrevendo do geral para o específico, áudio-descrevendo as cores e as orientações direcionais”. Conforme o autor, o áudio-descritor é, por assim dizer, “(…) ‘uma câmera verbal’, a qual reconta oralmente os aspectos da imagem visual” (Ibidem, p. 4).

Ao considerar, portanto, a especificidade da função do áudio-descritor ao tornar eventos visuais acessíveis, é relevante que no âmbito da arte da animação, assim como de outros gêneros, se preserve os elementos artísticos para que a construção e a inserção da áudio-descrição ocorra de modo harmonioso, tornando-se, portanto, elemento potencializador das possibilidades de construção de sentidos acerca da obra artística.

3 – Relevância da animação para a formação das crianças

A experiência estética vivenciada através do cinema de animação, mais que uma atividade cognitiva e sensorial, é uma atividade que aciona a afetividade, e, por meio das emoções e sentimentos que incita, nutre a subjetividade de seus leitores/espectadores.

A arte possibilita, então, que os leitores/espectadores, desde a tenra idade, atuem sobre o seu próprio equilíbrio interno; projetem-se; vivam outras vidas, em ambientes, espaços e tempos que recriam, refratam o real. A animação, enquanto arte que encanta e envolve o leitor em sua narrativa, possibilita no recriar do mundo

[…] uma forma de compensação aos rigores da experiência no ambiente real – uma capacidade típica do homem (ausente nos outros animais) que permite a elaboração de símbolos; neste caso, um objeto plástico, uma forma autônoma e durável dos símbolos. (LUCENA JÚNIOR, 2005, p.17).

Na animação, com a ajuda dos símbolos da arte, podemos manifestar impulsos e valores significantes, que, de outra maneira, não teriam como serem comunicados (a emoção, o carinho, o desejo, a simpatia, o amor etc). (Idem).

A prática social de ver filmes nutre a construção simbólica e está tão imbricada a formação cultural das pessoas que eles passaram a ser escolarizados e a servir como recurso pedagógico. O lúdico, neste processo, surge como fio condutor do letramento literário e o prazer estético

[…] se realiza na oscilação entre a contemplação desinteressada e a participação experimentadora, é um modo da experiência de si mesmo na capacidade de ser outro, capacidade a nós aberta pelo comportamento estético. (JAUSS; ISER; STIERLE; GUMBRECHT; WEINRICH,1979, p. 98).

Esta projeção no espaço/tempo do texto literário da animação deixa de ser efetivada pelas crianças com deficiência visual quando estas são excluídas do processo formativo, social, cultural, em razão da falta de acessibilidade visual às animações. Os prejuízos para a formação das crianças com deficiência visual incluem a oportunidade de vivenciar o prazer estético que a identificação possibilita e de participar de experiências alheias, as quais consoante Jauss et. al. (1979), em nossa realidade cotidiana, não nos julgaríamos capazes de fazê-lo.

Para a criança com deficiência visual, ainda, a ausência da áudio-descrição nas animações dificulta, limita e impede a construção de imagens mentais suscitadas pelo texto da animação, a ampliação do acervo do conhecimento de mundo e linguístico, a construção do simbólico através do brincar e do faz de conta.

Sem a áudio-descrição, é provável que as crianças com deficiência visual sequer possam fazer parte de algum dos três grupos de leitores/espectadores aos quais Jauss et.al. (1979) se referem, resultando na exclusão dessas crianças. “[…] O primeiro, o que goza sem julgamento, o terceiro, o que julga sem gozar, o intermédio, que julga gozando e goza julgando, é o que propriamente recria a obra de arte”. (JAUSS et.al., Ibidem, p. 103).

No entanto, com a provisão da áudio-descrição (feita sob critérios técnicos, éticos e com objetivo de oferecer pleno empoderamento às pessoas com deficiência visual) (LIMA, TAVARES, 2011), certamente propiciaremos que a criança cega ou com baixa visão venha a fazer parte de um daqueles grupos, inclusive do segundo.

Logo, para que isso ocorra, é preciso que cada vez mais tenhamos áudio-descrições dos eventos visuais, estáticos e dinâmicos sem, de maneira alguma, deixarmos de fora as animações, seja pelas razões expostas ou meramente pelo fato de elas estarem disponíveis às pessoas videntes. Portanto, devendo estar disponíveis para as pessoas com deficiência visual, de sorte que possam ter igualdade de oportunidades culturais, educacionais e de lazer (Decreto Legislativo nº 186/2008; Decreto nº 6.949/2009), conforme defendido anteriormente.

4- Animação com áudio-descrição: um roteiro possível

Como argumentamos, a áudio-descrição, enquanto gênero animação potencializa o processo de comunicação, da força humanizadora, libertária da arte/literatura. A animação com áudio-descrição convida as crianças com deficiência visual a penetrar na narrativa, explorar as possibilidades de interpretação, de projeção, de deleite e de expressão de sentimentos e sentidos e tudo o mais que esse gênero permite as demais crianças.

Por isso, podemos afirmar que a áudio-descrição da animação torna possível às crianças com deficiência visual o letramento literário, compreendido como o caminho formativo que “nos fornece, como nenhum outro tipo de leitura faz, os instrumentos necessários para conhecer e articular com proficiência o mundo da linguagem” (COSSON, 2006, p.30).

Entretanto, a provisão da animação com acessibilidade comunicacional às crianças com deficiência visual não é tarefa trivial que se faz sem aprofundado estudo. Com efeito, essa atividade tradutória é desafiadora para o áudio-descritor, pois ao construí-la tem de considerar o papel fundante e significativo exercido pelos elementos plásticos, os códigos visuais e os acústicos.

Neste sentido, Silva (2009), com base no documento “Áudio description for children”, orienta que devido as particularidades das obras e público infantil, além de respeitar as regras básicas da áudio-descrição ( objetividade, síntese, vividez, fidelidade etc) o áudio-descritor deve respeitar as seguintes regras:

[…]
a) adequar a linguagem (léxico e estruturas sintáticas) ao nível das crianças;
b) preservar a trilha musical. Caso seja necessário transmitir alguma informação vital e se precise sobrepor alguma descrição à música, fazê-lo após a primeira estrofe e usar preferencialmente os intervalos instrumentais ou trechos em que houver repetições;
c) usar a sensibilidade e fazer escolhas lexicais que reflitam a beleza especial das obras infantis. Utilizar adjetivos interessantes e advérbios expressivos (‘peixinhos dourados com grandes e meigos olhos castanhos’). […]
(SILVA, 2009, p. 55)

Considerando estas orientações, podemos afirmar que a áudio-descrição, enquanto modalidade de tradução intersemiótica, para atingir o objetivo de tornar acessível o material visual ou audiovisual exige que o tradutor conheça o público-alvo de seu trabalho e, em particular, no caso da áudio-descrição de obras infantis, esteja ciente da finalidade e características gerais das obras.

O roteiro da áudio-descrição de uma animação deve ser uma construção em que se considere a sinergia entre o som, a imagem e a áudio-descrição. O roteiro, elemento de sistematização da áudio-descrição, precisa focar a trama da animação, as características das personagens e dos ambientes. Além, é claro, de trazer acessíveis os elementos tais como: “créditos, inserções (de textos, títulos ou legendas), textos, títulos, legendas, intertítulos”. (ALVES, 2011, p. 16).

No roteiro da áudio-descrição, o vocabulário empregado deve ser simples, vívido, imagético, específico, expresso através de frases curtas, coordenadas, sem ambiguidades, cacofonias e repetições desnecessárias de palavras. Os verbos, na maioria das situações, devem ser empregados no presente do indicativo; precisam exprimir as ações específicas realizadas pelas personagens. Os adjetivos e os advérbios devem ser selecionados a partir da percepção da expressão linguística que é mais fiel e fidedigna ao que é narrado através da obra artística. (União em Prol da áudio-descrição, 2010; TAVARES et.al., 2010; LIMA, 2011).

Estes elementos linguísticos devem tornar a animação acessível/vívida para a pessoa com deficiência visual. Portanto, não devem refletir a interpretação pessoal do tradutor ou do consultor em áudio-descrição, este responsável pela revisão da áudio-descrição; aqueles, responsáveis pela tradução das imagem em palavras ( LIMA, TAVARES, 2010; SNYDER, 2011)

Além dos aspectos linguísticos comentados, é relevante que o áudio-descritor esteja atento a música como um dos elementos condutores da narrativa e saiba o momento em que “menos é mais” (SNYDER, Idem). Não sobrepondo, neste caso, a áudio-descrição a musicalidade/a narratividade da animação, como orienta o documento “Áudio description for children”:

Crianças pequenas em geral gostam de desenhos animados e longas metragens por causa de suas músicas, antes mesmo de terem idade suficiente para lhes compreender o enredo. Os primeiros vídeos que as crianças provavelmente assistirão serão musicais ou trarão músicas. Algumas crianças com deficiência visual, com deficiências complexas ou crianças muito pequenas podem ter dificuldades em entender a história, mas podem, não obstante, apreciar as músicas. Por isso, é importante que, sempre que possível, as músicas permaneçam intactas, sem descrição sobre elas.

O primeiro verso deve ser isento de descrição. Se há informações importantes a transmitir, estas devem ser inseridas mais tarde na música, durante repetições na música ou durante passagens instrumentais. Pode haver ocasiões em que haja importantes informações na trama a serem transmitidas durante o primeiro coro. Neste caso, o segundo coro deve ser deixado livre de descrição. O mais importante é assegurar que as crianças tenham a oportunidade de aprender o tom e as palavras, e usufruir da música. (Tradução de Vieira, 2010)

A áudio-descrição não deve ser um distrator da mensagem principal da obra. Este recurso deve acrescentar prazer e possibilidades de construção de sentidos ao leitor da animação. Respeitar, portanto, a música e os efeitos sonoros da animação é tão relevante quanto respeitar o momento em que o silêncio é igualmente constitutivo da obra. A respeito dos efeitos sonoros presentes em animações e da inserção da áudio-descrição, o documento supramencionado afirma:

Efeitos sonoros comunicam significativamente a ação, especialmente em desenhos animados. Eles também podem ser muito divertidos – crianças pequenas gostam de os ouvir e imitar. Os efeitos sonoros podem contribuir na fala ecolálica e podem trabalhar em conjunção com a descrição para acrescentar significado a conceitos. É melhor inserir a descrição antes e depois dos efeitos sonoros do que descrever em cima deles.

Na construção do roteiro, outra estratégia de construção linguística que pode ser utilizada pelo áudio-descritor é o uso de palavras de sonorização interessantes, de aliteração e de vocábulos que expressem ritmo. (C.f. “Áudio description for children”). Estes recursos podem atrair a atenção e a concentração da criança, ao proporcionar-lhe a possibilidade de brincar, a partir da linguagem da áudio-descrição, com a linguagem da animação. A áudio-descrição é, neste caso, o passaporte para o faz de conta tecido na animação.

Outro aspecto de relevância na construção do roteiro é o cuidado com a quantidade de informação, assim aquela orientação já mencionada – “menos é mais” – é uma recomendação que orienta o tradutor a procurar as informações que são centrais à trama, caso contrário, a sobrecarga de detalhes sobre vestuário, mobília, ambiente etc poderá prejudicar um dos pilares para a construção da áudio-descrição: a objetividade.

Na construção do roteiro da áudio-descrição da animação, devemos também construir um texto que antecede, apresenta e instrui a áudio-descrição. Esta etapa, nomeada de notas proêmias exige que o tradutor vá além da pesquisa de acervo linguístico referente à obra, ou seja, a urgência de que se conheça o autor, o contexto, as condições de produção, o efeito social da obra etc, fará parte deste primeiro passo para a construção textual do script áudio-descritivo, observando que, nas notas proêmias, não se pode antecipar informações que igualmente não estejam disponíveis aos leitores/espectadores videntes.

Para que se produza então um roteiro coerente com os fundamentos da áudio-descrição, devemos:

  1. Estudar acerca da obra, para termos condições de construirmos as notas proêmias;
  2. Considerar o público alvo da obra;
  3. Observar a obra em seus aspectos gerais e específicos relacionados aos elementos imagéticos, textuais, sonoplásticos.
  4. Pesquisar/selecionar/empregar as palavras mais fiéis, fidedignas, imagéticas, vívidas para expressar o conteúdo da animação;
  5. Construir um texto sucinto, preciso, desprovido de impressões pessoais;
  6. Sincronizar o tempo de cada elemento/situação áudio-descrita com a locução;
  7. Editar, mas não editorializar, a áudio-descrição para ajustá-la harmonicamente a locução áudio-descritiva;
  8. Realizar, em parceria com o consultor com deficiência visual, a revisão áudio-descritiva e textual do roteiro.

Enfim, devemos seguir com precisão as diretrizes da áudio-descrição e o código de ética[3], como subsídios para a atuação do áudio-descritor.

4.1- Traduzindo em palavras a animação “Cheese

O cinema de animação é gerado a partir da apresentação de quadros consecutivos exibidos numa frequência, que possa ser percebida como o movimento.

No excerto abaixo, trazemos alguns quadros da animação “Cheese” para exemplificarmos a aplicação da áudio-descrição neste gênero artístico/literário.

O roteiro proposto deve ser lido, portanto, tendo como referência o texto dinâmico e não as imagens decompostas, as quais ilustram aqui algumas situações áudio-descritas.

É importante considerar, neste caso, que o roteiro expressa escolhas tradutórias, logo, ele pode ser revisitado, alterado, reescrito; esta construção contínua pode e deve ser feita por outros áudio-descritores ou por pessoas amantes da oitava arte, estudiosas da áudio-descrição.                                          Parafraseando Marcelo o G. Tassara (2005), vamos conhecer a áudio-descrição da animação sem medo de revisitar os paraísos da nossa infância!

Notas proêmias

A animação “Cheese”, construída por Peter Harakaly, foi feita em 3 D com duração de 2 minutos e 16 segundos. 3 D é um recurso utilizado por este artista em suas outras duas animações: “Fishin’ Impossible” e “Bedtime Store”.   “Cheese” foi o projeto final de Harakaly para o curso de artes efetivado na escola canadense Vancouver Film School (VFS), em 2007.

O filme é um remember aos desenhos animados da década de 40 e 50, Tom e Jerry e companhia, ao colocar como personagem principal um ratinho marrom e magro, cujas partes internas das orelhas, mãos e pés são alaranjadas. O ratinho é despertado por ondas esverdeadas que representam o cheiro oriundo do queijo.

Os quadros da animação têm fundo preto e na lateral superior direita, em branco, lê-se aniboom.com. [4]

O vídeo está disponível no site www.aniboom.com ou .

Áudio-descrição da animação “Cheese” (HARAKALY, 2007) [5]

Quadro 01[6] – áudio-descrição:

Tempo: 00:01 a 00:03
Aniboom. com Vancouver Film School presents

Fig.01
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 01[7]: – áudio-descrição:[8]: Quadro com apresentação de créditos, na parte superior da tela. Mais abaixo, à direita, vê-se um pedaço de queijo mordido.

Quadro 02 – áudio-descrição:

Tempo: 00:04 a 00:06
A short film by Peter Harakaly.
… [9] Ondas esverdeadas saem do pedaço de queijo mordido.

Fig.02
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 02- áudio-descrição: Quadro com apresentação de créditos, à esquerda, na parte inferior da tela. Ao lado direito destes, vê-se um pedaço de queijo mordido.

Quadro 03 – áudio-descrição:

Tempo: 00:07 a 00:08

Cheese

Fig.03
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 03 – áudio-descrição: Quadro onde se lê, ao centro da tela, a palavra cheese. Mais abaixo, do lado direito, há um pedaço de queijo mordido.

Quadro 04 – áudio-descrição:

Tempo: 00:09 a 00:16

Ambiente escuro. Parede com buraco próximo ao chão.

… onda esverdeada entra.

Fig.04
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 04- áudio-descrição: Fumaça esverdeada, sinuosa, frente a uma parede verde. Ao lado direito, vê-se, de perfil, saindo de uma fenda semicircular na parede, um focinho de rato, comprido, com ponta arredondada e branca. Ele mostra, parcialmente, a boca fechada, os dentes brancos, o primeiro deles é comprido e estreito, os outros três são menores e mais arredondados.

Quadro 05-áudio-descrição:

Tempo: 00:17 a 00:19
Rato com olhos e boca fechados. Orelhas e ombros caídos.
… Ele caminha seguindo a onda esverdeada.

Fig.05
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 05 – áudio-descrição: Onda esverdeada estreita sai da lateral esquerda da tela, curva-se para cima e desce fina e rarefeita até próximo ao centro da tela. À frente, um rato caminha.

Quadro 06 – áudio-descrição:

Tempo: 00:20 a 00:26
Aproxima-se do queijo e cheira.
… afasta a cabeça, aproxima e cheira.

Fig.06
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig.06 – áudio-descrição: O rato cheira o queijo. O rato está de semiperfil, tem cabeça pequena. Mostra orelha esquerda grande, alaranjada, arredondada e caída sobre o ombro. Os olhos, com pálpebras alaranjadas, estão fechados. O focinho está logo acima do queijo amarelo, de onde vem a onda verde, aspirada pelo rato. O ratinho tem pescoço fino e comprido.

Quadro 07- áudio-descrição:

Tempo: 00:27 a 00:33
… O rato abre os olhos, vê o queijo e se afasta.

Fig.07
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig.07- áudio-descrição: O rato olha o queijo. O ratinho aparece da cintura para cima, a cabeça levemente inclinada para trás. Olhos arregalados. As mãos alaranjadas, com quatro dedos finos e de pontas arredondadas, estão erguidas na altura dos ombros e espalmadas para a frente em direção ao queijo.

Quadro 08 – áudio-descrição:

Tempo: 00:34 a 00:35
… e vê a ratoeira

Fig.08
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig.08- áudio-descrição: O rato observa a ratoeira com o queijo. O ratinho está na lateral direita da tela; apóia a mão esquerda na base da ratoeira. Ao fundo, atrás do rato, vê-se a casa dele.

Quadro 09 – áudio-descrição:

Tempo: 00:36 a 00:37
… examina embaixo da ratoeira.

Fig.09
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 09 – áudio-descrição: Na lateral esquerda superior da tela, até próximo ao centro, vê-se parte do queijo amarelo sobre o martelo da ratoeira; objeto retangular comprido, de metal, o qual se estende diagonalmente até a extremidade direita da tela. Abaixo deste, de cabeça para baixo, vê-se parte da cabeça do rato. Os olhos grandes, arredondados, com esclera branca e pupila pequena e esverdeada. Abaixo da cabeça do rato, a base da ratoeira.

Quadro 10 – áudio-descrição:

Tempo: 00:38 a 00:45
… vê fósforos atrás da ratoeira.

Fig.10
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig.10- áudio-descrição: Na lateral superior direita da tela, diagonalmente, vê-se chão acinzentado, sobre ele caixa grande, aberta de palitos de fósforos. Quatro deles estão no chão, dois caem das laterais, três estão dentro da caixa com cabeças vermelhas para fora. Na parte inferior da tela, ambiente escuro.

Quadro 11- áudio-descrição:

Tempo: 00: 46 a 00:50
… Pega um palito, parte-o nos dentes.

Fig.11
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 11- áudio-descrição: Na lateral esquerda inferior da tela, pedaço de queijo. À direita, o ratinho, de olhos fechados, segura um palito de fósforo entre os dentes.

Quadro 12 – áudio-descrição:

Tempo: 00:51 a 00:55
… prende um pedaço entre a base e o martelo da ratoeira.
… testa o martelo com o dedo.

Fig.12
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 12- áudio-descrição: Ratoeira com queijo. Á frente desta, na lateral direita e inferior da tela, vê-se o rato com um dedo da mão esquerda bem próximo ao martelo da ratoeira. Ele está com o corpo voltado para frente, as orelhas estão um pouco caídas e recuadas para trás. Ele vira levemente a cabeça para a ratoeira. Os olhos estão arregalados, braços abertos, a perna esquerda dobrada e perna direita esticada para a direita.

Quadro 13 – áudio-descrição:

Tempo: 00: 56 a 00:59
… empurra o martelo, pula e vira de costas para a ratoeira, tampando os olhos.

Fig.13
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 13- áudio-descrição: Na lateral esquerda e inferior da tela, a ratoeira com queijo. Á direita, o rato, com o corpo curvado, está de costas para a ratoeira, com as mãos tapando os olhos. As orelhas dele estão levemente em pé, o rabo fino e comprido passa por baixo da perna direita, a qual está levantada.

Quadro 14 – áudio-descrição:

Tempo: 01:00 a 01:02
…volta-se para o queijo, segura-o, cheira-o e passa a língua nos lábios

Fig.14
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 14- áudio-descrição: O rato segura o queijo. Ele está com os olhos fechados e a boca entreaberta. O ratinho passa a língua vermelha e comprida nos lábios, chegando ao canto esquerdo da boca.

Quadro 15 – áudio-descrição:

Tempo: 01:03 a 1:10
… dá uma mordida grande, outra e outra.

Fig.15
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 15- áudio-descrição: O rato apresenta olho esquerdo arregalado, orelha esquerda levemente caída. Ele segura o queijo e abre a boca grande, triangular, deixando a mostra os dentes brancos, pequenos, os dois grandes e estreitos dentes incisivos e a língua vermelha.

Quadro 16 – áudio-descrição:

Tempo: 01:11 a 01:16
… O pedaço de palito escorrega…

Fig.16
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 16- áudio-descrição: Na lateral direita superior da tela aparece o queijo preso ao martelo da ratoeira, apoiado em um pedaço de palito, o qual está em pé sobre a base da ratoeira.

Quadro 17 – áudio-descrição:

Tempo: 01:17 a 01: 20
… a ratoeira se mexe. O palito cai.

Fig.17
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 17- áudio-descrição: Na lateral esquerda superior da tela, o martelo da ratoeira aparece diagonalmente. O pedaço de palito de fósforo está solto entre o martelo e a base da ratoeira.

Quadro 18 – áudio-descrição:

Tempo: 01:21 a 01:30
… O ratinho está sentado, costas na parede, mãos na barriga redonda e pernas abertas.

Fig.18
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 18- áudio-descrição: O rato está sentado no chão, encostado na parede. Ele tem as orelhas para baixo, os olhos semiabertos e as mãos apoiadas sobre a barriga redonda. As pernas dele estão levemente flexionadas e abertas, planta dos pés para frente com os três dedos arredondados e curtos apontando para as laterais.

Quadro 19 – áudio-descrição:

Tempo: 01:31 a 1:45
… O rato olha para cima.
Suspira.

Fig.19
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 19 – áudio-descrição: Na lateral esquerda e inferior da tela, vê-se parcialmente o martelo da ratoeira com um pedacinho de queijo na borda. O rato está sentado frente à ratoeira. Ele olha para cima.

Quadro 20 – áudio-descrição:

Tempo: 01:46 a 01:48
… vira a cabeça, olha pelo canto dos olhos …

Fig.20
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 20- áudio-descrição: Na lateral esquerda e inferior da tela, vê-se parcialmente o martelo da ratoeira com um pedacinho de queijo na borda. O rato está com a cabeça levemente inclinada para a direita. Olha com o canto dos olhos para a ratoeira e esboça um sorriso.

Quadro 21 – áudio-descrição:

Tempo: 01:49 a 01:50
… e vê o finalzinho queijo.

Fig.21
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 21- áudio-descrição: Tela preta. Foco de luz circular no pedacinho de queijo.

Quadro 22-áudio-descrição:

Tempo: 01:51 a 01:52
A tela escurece.

Fig.22
Cheese (Harakaly, 2007)

Fig. 22- áudio-descrição: Tela preta.

Quadro 23 – áudio-descrição:

Tempo: 01:53 a 01:55
… Lê-se, em branco, ao centro da tela: Created by Peter Harakaly [10]

Fig.23

Fig. 23- áudio-descrição: Créditos[11]

Considerações finais

O termo animação tem se mostrado de definição variável, de difícil consenso conceitual, em razão da ampla referência a uma diversidade de produtos culturais, de objetivos mercadológicos/culturais e de materiais utilizados na construção estética. A animação, enquanto gênero artístico e literário, apresenta-se numa linguagem heterogênea e narrativa, cujas bases são a imagem e o som.

Animação não é a arte de desenhos que se movem, mas a arte de movimentos que são desenhados. O que acontece entre cada frame é mais importante do que o que acontece em cada frame. (WEELS, 1998 apud CRUZ, 2006, p. 23) [Grifo da autora]

O encadeamento e a progressão de eventos visuais e sonoros responsáveis pelo fio condutor da diegese da animação precisa ser áudio-descrito para que todas as crianças, primeiros destinatários deste gênero, possam estar em situação de equidade de direitos ao acesso a comunicação e atinja o consequente letramento literário/cultural.

É relevante então que a sociedade esteja alerta para o fato de a animação em formato acessível ainda ser escassa no Brasil. Esta escassez coloca as crianças com deficiência visual em desvantagem cultural.

Esta realidade excludente precisa ser modificada através do uso do recurso da áudio-descrição. Caso contrário, a herança cultural referente a esta arte legada aos nossos pósteros continuará inacessível para os que têm deficiência visual.

Assim, para que a experiência catártica possibilitada pela animação seja vivenciada de modo autônomo e prazeroso pelas pessoas com deficiência, é necessário que haja a áudio-descrição e, na negativa desta, às pessoas com deficiência devem reivindicar esse direito nos livros, nos espetáculos, nas novelas, filmes e em todos os eventos visuais.

[…] os indivíduos com deficiência visual e os movimentos sociais abracem a causa, levantem a bandeira da acessibilidade e passem a reivindicar seus direitos. Sem a participação dos principais interessados, a acessibilidade no cinema poderá não ser uma realidade em nosso país, deixando tão significativa parcela da população sem acesso a um considerável veículo de formação. (VILARONGA, 2009, p.5)

A animação acessível, arte que opera uma linguagem fundamentada na técnica da narrativa imagética e no desenho universal de sociedade,

[…] se transformará na arte de realizar o impossível, de materializar as esperanças mais excêntricas e de trazer à tona os temores ocultos do inconsciente coletivo. Tudo isso mascarado por um fluxo contínuo de imagens sintéticas tonitruantes (LUCENA JÚNIOR, 2005, p. 11).

O cinema de animação, quando áudio-descrito a partir de diretrizes técnicas e fundadas no empoderamento, poderá contribuir não apenas com a educação das crianças com deficiência, mas com seu sentimento de pertença na sociedade. (LIMA, 2010). Esta premissa traz ao áudio-descritor a urgência de compreender a oitava arte, o público ao qual ela prioritariamente se destina e as nuanças do trabalho de tradução de obras infantis.

Este texto, com as reflexões aqui propostas, espera servir como ponto de partida para este processo; o ponto de chegada dependerá de cada profissional, do quanto este se dedique à área e do entendimento de que a áudio-descrição é uma técnica que oportuniza a efetivação de direitos, assim sendo, ofertá-la é uma questão ética; estudá-la, uma questão de compromisso com a auto-formação; contribuir com a ampliação deste serviço, uma questão de direito e nclusão.

Áudio-descrição nas animações é mais que um caminho para o letramento literário, é um percurso de garantia e efetivação de direitos. Para o tradutor, é se permitir e possibilitar ao outro (usuário da áudio-descrição) o uso de palavras prenhes de história, vestidas da mágica da arte e carregadas de humanização!

Áudio-descrever é a palavra de ordem que emana da inclusão e dela é revestida de sentido!

Referências

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Sites consultados:

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.
http://www.cursosnocanada.com.br/cursos/ingles-frances/vfs-vancouver-film-school-estudar-arte-entretenimento.php

http://comaudiodescricao.blogspot.com/p/comerciais-de-tv.html
http://www. animamundi.com.br/pt/festival/
www.aniboom.com

Nota de rodapé

[1] A áudio-descrição é uma tecnologia assistiva prevista pela portaria número 310 de 27/07 de 2006 (Diário Oficial da União de 28/07/2006).
[2] Artigo publicado neste volume da RBTV.
[3] Para aprofundamento neste tema, consulte: “União em prol da áudio-descrição” e “Subsídios para a construção de um código de conduta profissional do áudio-descritor”, disponíveis em www.rbtv. associadosdainclusao.com.br.
 [4] Anibom.com é uma comunidade virtual que atende a um público bem específico. Trata-se de uma rede voltada para profissionais e amadores de animação com os mesmos elementos de qualquer outro site como orkut e deviant art. A comunidade faz parte de um projeto que deve funcionar como uma verdadeira vitrine de grandes trabalhos e de aspirantes a profissionais. Os usuários cadastrados tem direito a fazer upload de seus desenhos, elaborar um perfil atraente e torná-lo visível a todos. Aos usuários que querem somente prestigiar o conteúdo, no ambiente virtual encontrarão um bom acervo de filmes de animação.

CEO Aniboom é ex-executivo de televisão israelense Uri Shinar. A empresa Aniboom Awards foi fundada em 2005. Ela organiza competições anuais nas quais filmes animados originais são apresentados para julgamento por um júri e os membros da comunidade Aniboom. Os trabalhos vencedores são premiados com uma seleção de software de animação e literatura; recebem também uma quantidade útil de exposição da indústria que podem levar à ascensão profissional. (Fonte: www.aniboom.com)
[5] A áudio-descrição destes quadros foi feita para ler/ouvir com a exibição da animação.
[6] A enumeração dos quadros refere-se à ordem de entrada deles neste artigo.
[7] As legendas devem ao máximo trazer descritivos que permitam a compreensão da imagem, gráfico etc, dentro das normas técnicas do trabalho científico.
[8] A áudio-descrição dos quadros aqui apresentados, na forma de legendas, visam propiciar a acessibilidade ao conteúdo imagético.
[9] Indicação de que neste período há outros quadros aqui não apresentados.
[10] Créditos: Created by Peter Harakaly. Editinu Supervisor: Rob Wood. Sound Supervisor: Brett Anthony. Head of department: Larry Bana. Program manager: Theresa Trink. Program Assistant: Jeri Weaver. Instructors and mentors: Greg Berridge, Steven Taylor,Keith Yong,Dave Dixon, James Lau, Brett Pascal. It support: Joe Doza, Troy Shannon. Software: Maya 7, Flash MX, Photoshop, Premiere, After effect. peterharakaly.blogspot.com@2006 Vancouver Film School
[11] Procede-se a locução dos créditos de acordo com as diretrizes para a áudio-descrição ( C.f. União em Prol da áudio-descrição).

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  • Fabiana Tavares dos Santos Silva

    Mestranda em Educação Inclusiva (UFPE). Aluna do III Curso de Tradução Visual com ênfase em Áudio-descrição “Imagens que Falam” (CEI/UFPE). Especialista em Literatura Infanto-Juvenil (FAFIRE). Graduada em Letras (FAINTVISA). Professora dos cursos de licenciatura em Pedagogia e Letras (Faculdades Integradas da Vitória de Santo Antão). Professora conteudista e executora do curso de licenciatura em Pedagogia (UFRPE- EaD). Professora da rede pública estadual de Pernambuco.View all article by Fabiana Tavares dos Santos Silva
  • Francisco José de Lima

    Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Coordenador do Centro de Estudos Inclusivos (CEI/UFPE); Idealizador e Formador do Curso de Tradução Visual com ênfase em Áudio-descrição “Imagens que Falam” (CEI/UFPE);Tradutor e intérprete, psicólogo, coordenador do Centro de Estudos Inclusivos. E-mail: cei@ce.ufpe.brView all article by Francisco José de Lima

Figura ambigua

Prezado editor,

A educação inclusiva, pelo que se propõe, tem levado, cada vez mais, pessoas com deficiência aos níveis superiores da educação.

Muitas dessas pessoas são indivíduos com deficiência visual (têm baixa visão ou são cegas), alunos que, ao estudarem nos diversos cursos de seu interesse, nem sempre têm respeitado seu direito à uma educação realmente inclusiva, isto é,  de qualidade, com igualdade de condições e que responda às necessidades educacionais especiais desses alunos.

Os muitos estudantes que optam pelo curso de Psicologia, Pedagogia e outros, em que o tema da percepção é tratado em algumas disciplinas ensinadas, se deparam com aulas com constructos visuais que, por não serem áudio-descritos, ficam inacessíveis a esses alunos e dessa forma prejudicam o seu aprendizado, à medida que esses constructos são relevantes à compreensão do tema referido.

Assim, buscando uma maior conscientização da necessidade da eqüidade de condições no ensino superior, é que abaixo envio a áudio-descrição de uma imagem bastante conhecida e usada nas disciplinas da Psicologia que ensinam sobre percepção, mas cuja áudio-descrição não foi oferecida nem no livro de Grieve onde semelhante imagem é apresentada, e nem na  internet onde é bastante difundida.

Com minha descrição dessa figura, objetivo mostrar que é possível dar maior acessibilidade às informações visuais, também na educação e em todas as áreas em que a imagem for usada.

 Introdução:

A figura, aqui descrita, é uma imagem utilizada no estudo da percepção em Psicologia e foi retirada do Blog “O absurdo e a Graça” do psicólogo empresarial J.Ricardo A. de Oliveira, podendo ser vista também na página 16 do livro Neuropsicologia em Terapia Ocupacional do autor June Grieve, publicado no ano de 2009.[1]

É uma figura ambígua, para a qual se pode dar mais de uma interpretação, dependendo do ponto de vista do observador.

Isso traz um desafio ao áudio-descritor pois, considerando a regra mestre da áudio-descrição: “Descreva o que você vê”, áudio-descrever esta imagem  requer oferecer ao estudante a idéia de ambiguidade (pode-se ver diferentes coisas ao se olhar para diferentes pontos da figura), não se podendo, portanto,  descrevê-la de modo “taxativo”.

Aqui, duas possibilidades interpretativas serão apresentadas: a figura de uma jovem, tomando como ponto de partida o olhar do observador para o que viria a ser o queixo da moça e a figura de uma velha, tomando como ponto de partida a observação do que seria o nariz grande e pontiagudo dela. Pontos de ambigüidade verificados na imagem podem ser: o que seria o cabelo arrumado em topete da jovem é a franja do cabelo da velha; o véu da jovem seria o lenço da velha; assim como a pena na cabeça da jovem seriam os fios de cabelo desalinhados da velha. O que parece o queixo e o maxilar da jovem, seria o nariz grande e pontiagudo da velha e a narina esquerda respectivamente; já o cílio da jovem, também seria o cílio direito da velha. As mesmas linhas que compõem a orelha da jovem, formam o olho esquerdo enrugado da velha; e o contorno que na jovem parece um nariz pequeno e arrebitado, na velha parece uma verruga no nariz. A linha preta, grossa, reta e horizontal na jovem assemelha-se a uma gargantilha e na velha lembra uma boca semi-aberta e sem dentes. E o que seria o pescoço da jovem é o queixo pontiagudo e proeminente da velha. Por fim, a mancha preta com contornos irregulares assemelha-se, em ambas as imagens, a um casaco felpudo.

Descrição da Figura da Jovem

Uma das imagens sugere uma mulher jovem, vista dos ombros para cima com a face voltada para a direita, com o queixo sobre o ombro. Vê-se seu ombro esquerdo em primeiro plano. Há uma mancha preta na parte superior da imagem da esquerda para a direita lembrando um cabelo volumoso arrumado no que parece um topete. Sobre o cabelo, na altura da testa, há linhas curvas sugerindo uma pena, do topo da cabeça para trás há uma região branca dando a impressão de um véu. Abaixo do topete há uma linha curvada para cima parecendo um cílio comprido, abaixo dessa linha há um contorno lembrando um nariz pequeno e arrebitado. Mais ao centro da imagem vê-se uma linha curvada abaixo do cabelo dando a idéia de uma orelha. Na parte inferior esquerda do que seria o rosto da jovem há um contorno que parece o queixo, mais a direita há uma linha curvada para cima que pode definir o maxilar, logo abaixo aparece uma mancha branca indicando o pescoço e uma linha preta, horizontal, reta e grossa, parecendo envolver o pescoço, dando a idéia de uma gargantilha. Sobre o que seriam os ombros da jovem há uma mancha preta de contornos irregulares lembrando um casaco felpudo.

Descrição da Figura da Velha

A outra imagem sugere uma mulher velha, vista dos ombros para cima com a cabeça inclinada para frente e o rosto de perfil voltado para a direita, deixando à mostra a face esquerda. Há uma mancha preta na parte superior da imagem da esquerda para a direita parecendo uma franja de cabelo. Sobre o cabelo, na altura da testa, há linhas curvas voltadas para trás sugerindo fios de cabelos desalinhados, da franja até os ombros há uma região branca assemelhando-se a um lenço. Abaixo da franja há uma mancha branca formando o que seria o rosto da velha, cujo contorno forma o desenho de um nariz grande com a ponta curvada para baixo, lembrando um nariz de bruxa. Abaixo da franja do cabelo e saindo do contorno do nariz em sua parte mais alta há uma linha curvada para cima parecendo os cílios do olho direito da velha, pouco abaixo deste há um linha curva lembrando um verruga, na mesma altura e mais ao centro há duas linhas pequenas e diagonais que formam um ângulo agudo entre si assemelhando-se ao olho, logo abaixo há uma linha curvada para cima dando a idéia de ruga. Mais à direita da ponta do nariz há uma linha curvada para cima parecendo a narina esquerda. Abaixo do nariz há uma linha preta, grossa, reta e horizontal dando a idéia de uma boca semi-aberta e sem dentes, logo abaixo há uma mancha branca em forma de V inclinado à esquerda assemelhando-se a um queixo pontiagudo e proeminente. No que seriam os ombros da velha há uma mancha preta cujos contornos irregulares lembram um casaco felpudo.

Observação final

Com a áudio-descrição da imagem ambígua, espero incentivar outras descrições desejando que este espaço da Revista se torne um grande ponto de encontro para a áudio-descrição de imagens, como está descrito na seção de “Foto-descrição” desta Revista.

Nota de rodapé

[1] A figura, originalmente, tem dimensões de 13 cm de altura por 9 cm de largura.

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Foto de alunos do Lar Escola Santa Luzia para Cegos, numa sessão de vídeo com audiodescrição

Prezado Editor,

Como mestranda no programa de Pós Graduação em Televisão Digital da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP),  tenho me interessado pelo tema da audiodescrição e, por conta disso, feito cursos de audiodescrição, bem como  feito audiodescrição, como voluntária, em vários projetos.

A audiodescrição tem o propósito de trazer acessibilidade comunicacional, principalmente para as pessoas com deficiência  visual,  em todas as áreas em que uma imagem é utilizada. Com a audiodescrição traduz-se a imagem em palavras, a serem ouvidas e/ou lidas pelo usuário com deficiência.

Abaixo,  dou um exemplo de como a audiodescrição pode ser feita, a partir de uma fotografia.

Notas proêmias:

De abril a novembro de 2010 os alunos do Lar Escola Santa Luzia para Cegos em Bauru (SP) tiveram sessões de vídeo com audiodescrição.  A atividade foi  realizada por mim,   Flávia Oliveira Machado, como voluntária. Quando os vídeos não possuíam audiodescrição, eu  elaborava o roteiro e narrava ao vivo as descrições das cenas. Após as exibições, era feito um pequeno debate. O filme exibido na sessão fotografada foi “Ensaio sobre a Cegueira”, de Fernando Meireles. Neste dia, os espectadores ouviram a audiodescrição do DVD do filme.

Audiodescrição da fotografia:

Audiodescrição de Flávia Oliveira Machado

Fotografia colorida de um grupo de pessoas ouvindo o filme “Ensaio sobre a Cegueira”. No canto inferior esquerdo da fotografia, um aparelho de DVD portátil está em primeiro plano em cima de uma bancada de mármore marrom. Este aparelho possui uma pequena tela que mostra uma cena de duas pessoas e uma criança. Um cabo preto liga o equipamento de DVD a uma pequena caixa de som, que está atrás deste aparelho. Em segundo plano, espectadores estão sentados em cadeiras vermelhas dispostas em três fileiras. Dessas pessoas, dois homens estão na primeira fileira. O da esquerda é negro, calvo e veste uma camiseta vermelha. O homem da direita é branco de cabelos pretos e veste uma camisa azul com um desenho contornado em branco. Ele está de mãos cruzadas apoiadas na perna. Homens e mulheres aparecem mais desfocados atrás desses dois homens. Essas pessoas estão em uma sala com um quadro de paisagem rural feito com pequenos azulejos fixados na parede esquerda. Na parede da direita uma janela sem cortinas irradia luz nas costas dos espectadores.

Publicado por

  • Flávia Oliveira Machado

    Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Televisão Digital da UNESP/Bauru, está desenvolvendo em sua dissertação um estudo sobre as políticas públicas para a promoção da audiodescrição na TV digital brasileira. O projeto é orientado pelo Prof. Dr. Antonio Carlos de Jesus (acj13jesus@faac.unesp.br ).View all article by Flávia Oliveira Machado

Educação profissional de síndrome de down no Instituto Inhotim: fundamentos para mediação inclusiva em arte contemporânea

A consciência da possibilidade de benefícios mútuos foi o principal gatilho para a ação de inclusão no Inhotim, um espaço museológico constituído por uma sequência de galerias em meio a um parque botânico-ambiental. Consideramos esse trabalho de inclusão social, por meio da profissionalização, para além da lei de cotas. Pensamos nele principalmente como uma contribuição para a inclusão social. No artigo Inclusão social da pessoa com síndrome de down: uma questão de profissionalização, Ana B. M. Pires, Daiana Bonfim e Lana C. A. P. Bianchi, afirmam que investir em ações sociais

amplia em 74% suas relações com a comunidade; a motivação e a produtividade dos funcionários crescem em 34%, melhora o envolvimento do funcionário com a empresa em 40%, ao mesmo tempo em que contribui para o desenvolvimento de conhecimento, técnicas e habilidades dos funcionários em 52%. (PIRES, BONFIM e BIANCHI, 2007)

Rosemary tem 24 anos de idade, completou a quarta série na APAE1 de Brumadinho, é SD2 e foi contratada para compor a monitoria de área. Essa equipe é responsável por zelar pelo patrimônio artístico-ambiental de Inhotim. O monitor de área tem como atribuição monitorar a área que lhe foi atribuída, zelando pelo espaço e tudo que houver nele. O monitor de área recebe o visitante, informando-o, tirando suas dúvidas, indicando locais, etc. Assim como a equipe de monitoria de área, a equipe de Arte e Educação também trabalha diretamente com o público. No entanto, a Arte e Educação tem como objetivo principal o trabalho de mediação em arte, seja com o público, seja com a própria equipe. Ao contratarmos a Rosemary, iniciamos um trabalho cuidadoso de formação com a mesma. Esse trabalho é desenvolvido pelas duas equipes acima citadas.

SOMOS SUJEITOS AUTORES

Para o desenvolvimento deste trabalho buscamos Alícia Fernandez. Em seu livro Os idiomas dos aprendentes, Fernandez apresenta o conceito de sujeito autor, que, segundo ela, é aquele que constrói o seu conhecimento a partir de sua relação com o mundo. Para ela, ser autor é possuir autoria, é construir o seu conhecimento e a si próprio a partir de suas experiências em relação ao mundo, em relação ao outro, em relação à natureza, enfim, em relação aos fenômenos que a realidade apresenta.

Entendemos, portanto, a Rosemary e todos os atores envolvidos na profissionalização dela como sujeitos autores. Como sujeitos autores, somos ativos, construímos nosso conhecimento e proporcionamos ao outro a transformação do próprio conhecimento. Essa transformação vai acontecendo por meio da possibilidade que o sujeito tem de mostrar o que sabe e de articular esse conhecimento com o novo, transformando a si, a quem ensina e ao próprio objeto do conhecimento. Para Fernandez, esse sujeito se posiciona simultaneamente como ensinante e aprendente, portanto “só quem se posiciona como ensinante poderá aprender e quem se posiciona como aprendente poderá ensinar” (FERNANDEZ, 2001:54).

PROPOSTA DE SENSIBILIZAÇÃO

Durante a formação profissional acontecem encontros entre os educadores e a Rosemary, no intuito de sensibilizá-la quanto às questões relativas à arte contemporânea. É o que chamamos de treinamento sensitivo. Segundo Theresinha Guimarães Miranda,

a qualificação profissional vai além das habilidades manuais. (…) Não basta mais que o trabalhador ‘saiba fazer’ é preciso também ‘conhecer’ e acima de tudo ‘saber aprender’. (…) As habilidades são atributos relacionados não apenas ao ‘saber fazer’, mas ao saber agir. (…) Implicam, pois, dimensões variadas: cognitivas, motoras e atitudinais. (MIRANDA, 2008)

Esses encontros, para mediação em arte, acontecem quinzenalmente e neles são desenvolvidas atividades de experimentação com a Rosemary dentro das galerias. As atividades são planejadas, aplicadas, registradas e avaliadas. Esse treinamento tem como objetivo propiciar a conversa, a experimentação e a interação da funcionária com a arte e com as pessoas. Além disso, as atividades pretendem aguçar a sensibilidade da Rosemary, estimulando a consciência dela como sujeito, propiciando o entendimento de seu lugar de fala e promovendo a autonomia da funcionária dentro da instituição.

Para a elaboração das atividades, os educadores lançam mão de conceitos que gravitam dentro do campo lexical da palavra ‘intuição’. As propostas são feitas dentro de uma metodologia que conta sempre com a própria mediação, com as obras e com o uso do espaço de galerias. Além disso, objetos, mapas, palavras e outra referências como músicas, movimentos artísticos, fotografias, etc., são apresentados a Rosemary.

O ACERVO DE ARTE COMO POTÊNCIA PARA EXPERIÊNCIA

Ao usarmos o acervo do museu e todo o espaço de Inhotim para mediação em arte com a Rosemary, retomamos algumas ideias de Merleau-Ponty que fala sobre o sujeito da fenomenologia. Segundo ele, é na relação que o sujeito estabelece com aquilo que o cerca que os significados vão sendo elaborados. Assim também ele vai construindo a sua identidade e a sua história, por meio de suas experiências. O sujeito que se relaciona com a arte contemporânea aproxima-se do sujeito que a fenomenologia aborda. A interpretação que o sujeito faz do mundo o torna singular e produtor de significados. O sujeito ativo atribui significados ao mundo e significa-se nele. Sem esse significado o aprender torna-se reprodução daquilo que é presenciado por ele e transmitido a ele. Não há criação.

Seguindo esse pensamento, buscamos John Dewey, no livro El Arte como experiência, que comenta que “a experiência adequada original não é fácil de alcançar, sua realização é uma prova de sensibilidade natural e de uma experiência madura por meio de diversos contatos” (DEWEY, 2008:339, tradução minha). São esses contatos que buscamos proporcionar nas atividades, por meio da interação entre os mais distintos elementos de Inhotim como obras, pessoas, idéias, etc. Cada nova experiência transforma a posição do sujeito em relação ao mundo e às pessoas. Ele é capaz de desenvolver o senso crítico e de ter um olhar transformador.

PARA ALÉM DA MUDANÇA DO OLHAR

As proposições de atividade e mediação em arte são elementos potenciais para formação profissional e pessoal da Rosemary. Marina Almeida deixa claro, em seu artigo Empregabilidade da pessoa com Síndrome de Down, que “no caso da pessoa com Síndrome de Down, o trabalho amplia seu campo de autonomia pessoal, (…) bem como sua identidade enquanto pessoa”. Ainda segundo a autora, “trabalhar não é um fim em si mesmo, mas um meio vital de cumprir sua função social a que pertence” (ALMEIDA, 2007).

A profissionalização da Rosemary foi iniciada, mas não será completamente encerrada. Para Pires, Bonfim e Bianchi “o progresso depende de um processo contínuo. A estagnação faz perder todos os avanços já conquistados e inviabiliza conquistas futuras. A ausência de estímulos na SD significa regressão” (PIRES, BONFIM e BIANCHI, 2007). Dessa forma, os resultados foram parcialmente obtidos por meio de registros como relatórios mensais e depoimentos colhidos até então.

Com a mediação inclusiva, Rosemary desenvolveu um melhor entendimento do espaço em que ela está inserida. Atualmente detém amplo conhecimento sobre o acervo. Seu olhar quanto à arte contemporânea está mais interpretativo, possibilitando a criação de conceitos próprios. Dialoga com mais propriedade sobre as obras, além de demonstrar maior interesse por elas. Hoje ela raciocina em cima do conteúdo absorvido, faz questionamentos e consegue criar seu próprio discurso. Toda essa melhora tem contribuído para uma boa compreensão sobre o que é educação patrimonial. Seu zelo quanto ao acervo é mais consciente.

Sobre os progressos da Rosemary retornamos ao artigo da Almeida. Segundo a mesma, o SD ganha no que se refere à independência e ao autoconhecimento, pois desenvolve a consciência de sua própria existência. Além disso, ganha autoconfiança, pois passa a acreditar na capacidade de aprender, de produzir e de compartilhar. Quanto aos ganhos do empregador, ela lembra que é possível agregar valores à empresa, ganhando em humanização e em enriquecimento das relações interpessoais. Ou seja, a empresa caminha para o melhor atendimento da diversidade humana.

Em nosso caso, além dos resultados apresentados pela própria Rosemary, obtivemos também resultados na equipe de monitoria, que experimentou a convivência diária com uma SD. As melhoras são vivíveis no que se refere à parceria no trabalho. A equipe de arte-educação aprendeu a aprender através da experimentação e observação. Com essa ação, Inhotim, enquanto instituição que promove cultura e defende princípios de acessibilidade, avança para o aperfeiçoamento de suas práticas nesse campo, tentando aplicar conceitos que permeiam as instituições culturais de todo Brasil.

Bibliografia

# ALMEIDA, Marina da Silveira Rodrigues. Empregabilidade da pessoa com síndrome de down . 2007. Disponível em: <http://www.psicologia.com.pt/ar tigos/imprimir_o.php?codigo=AOP0116>. Acesso em: 25 set 2008.
# DEWEY, John. El art como experiencia. Barcelona: Paidós, 2008.
# FERNÁNDEZ, Alicia. Os idiomas do aprendente: análises das modalidades ensinantes com famílias, escolas e meios de comunicação. Porto Alegre: Ar tmed, 2001.
# MERLE AU-PONT Y, Maurice. A fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
# MIRANDA, Theresinha Guimarães. O plano nacional de qualificação do trabalho: uma experiência com pessoas portadoras de deficiência. Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/1516t.pdf>. Acesso em: 09 set 2008.
# PIRES, Ana B. M.; BONFIM, Daiana; BIANCHI, Lana C. P. Inclusão social da pessoa com síndrome de down: uma questão de profissionalização. 2007. Disponível em: <http://www.cienciasdasaude.famerp.br/racs_ol/vol-14-4/ID237.pdf>. Acesso em: 13 set 2008.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1. APAE – A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais é uma sociedade civil, beneficente de assistência social, de caráter cultural e educacional voltada ao atendimento dos por tadores de necessidades especiais.
2. SD – Síndrome de Down

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Projeto FotoLibras

Fotografia da muito próxima da calçada
A cidade ainda não está preparada para as pessoas com deficiência. Apesar de algumas tentativas por parte dos órgãos públicos, é necessário planejar melhor a infraestrutura dos equipamentos, ruas e calçadas. As rampas de acesso ainda são muito mal-planejadas: altas, estreitas e com desnível entre a calçada e o asfalto. (Foto: Aymme Lucy)

O FotoLibras é um projeto que tem como objetivo aumentar a criatividade, autoestima e visibilidade de jovens surdos, explorando a fotografia como linguagem. Foi idealizado em 2006 e de lá para cá já promoveu cursos, oficinas, participou de palestras, mostras e exposições. Atualmente desenvolve atividades de fortalecimento dos multiplicadores, jovens que já foram alunos do projeto e hoje coordenam e participam de diversas ações, levando a metodologia e os impactos do projeto para outros jovens surdos. Isso é possível com o patrocínio do Banco Votorantim e do Instituto Votorantim, através da Lei Rouanet.

Fotografia da calçada com rampa para cadeirante
O direito de ir e vir de pessoas com deficiência não é assegurado. No acesso ao metrô, por exemplo, é necessário a ajuda de alguém para guiá-los. (Foto: Geovana Alzira)

As ações da fase atual incluem oficinas internas de aperfeiçoamento em práticas fotográficas, elaboração de projetos, aprendizado de dinâmicas e acompanhamento fotográfico. Cerca de 20 jovens multiplicadores participam dessas atividades como forma de ampliarem seus conhecimentos e também sua segurança para aplicação em cursos e oficinas voltados para o público externo. Já fizemos diversas oficinas em Recife, no interior e em outros estados. Em Catende, por exemplo, os multiplicadores elaboraram uma oficina de 5 dias voltada para alunos surdos daquela cidade e de outras da região. Durante esse tempo, empregaram diversas dinâmicas e exercícios envolvendo fotografia, fizeram saídas práticas e terminaram com a exposição de um grande varal com as fotos dos alunos.

Homem idoso de cadeiras de rodas, usa bone, regata e bermuda anda no meio da rua andando junto com os ônibus
Os usuários de cadeira de rodas enfrentam riscos para se locomoverem na cidade. (Foto: João Hélder)

A motivação inicial do projeto é criar oportunidades de participação da comunidade surda na produção e fruição da cultura, sempre tendo a fotografia como elo transformador. Identificamos que a imagem, como um meio de expressão e comunicação, tem uma relevância especial para os surdos, pois o ato de fotografar e de realizar a leitura da imagem não dependem de conhecimento de nenhuma língua falada ou escrita.

Cadeirante de costas para a porta do ônibus, tentando embarcar no coletio
O tempo que um usuário de cadeira de rodas leva para subir nos ônibus com porta de acesso causa irritação nos passageiros.
(Foto Karoline Anne)

A comunidade surda tem uma cultura diferenciada e sua forma de se comunicar, de ver o mundo e de realizar manifestações culturais é, muitas vezes, distinta da realidade dos ouvintes. A cultura surda é sistematicamente escondida quando, na verdade, deveria ser valorizada como parte integrante da cultura brasileira.

Rampa de acesso com duas estadas na lateral em direção a entrada de um grande
Projeto FotoLibras (Foto: Tatiana Martins)

Ao longo desses anos, podemos contabilizar vários resultados positivos do Projeto FotoLibras. Fortalecimento da comunicação entre jovens surdos e seus familiares e crescimento na capacidade de expressão, além da visibilidade e autoestima dos participantes, são alguns exemplos.

Mais informações:
www.fotolibras.org
comunicação@fotolibras.org

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Arte-educação e as rosas: dialogando com as práticas pedagógicas e a formação dos professores

Aprendemos sempre. Aprendemos até mesmo quando não nos damos conta disso. Tenho aprendido muito com a professora Luiza Christov, do Instituto de Artes da UNESP. Num desses dias, diante de alguns formadores de professores, em um curso de aprofundamento de estudos, lá estava ela trazendo a possibilidade da experiência de transformar cinzas em rosas.

Muito além dos conteúdos conceituais, Luiza nos ensinou a “provisoriedade”. Isso quer dizer que, hoje, provisoriamente, teremos a história que se apresenta e sempre podemos substituí-la, em outras ocasiões, por outras histórias, também provisórias. Igualmente são as inúmeras informações que recebemos em nosso dia a dia, advindas de diversos meios e formas: informações provisórias.

No campo da educação, se as informações são provisórias, o conhecimento pode se tornar substituível por simples informações se os educadores não desenvolverem os passos necessários para a transformação dessas informações em conhecimento. Sendo assim, a nossa postura, enquanto educadores, tem muito o que mudar para acompanhar e auxiliar no desenvolvimento de habilidades e competências capazes de proporcionar ao aluno a aquisição da autonomia sobre seu próprio conhecimento – “aprender a aprender”.

Dificilmente gostamos de sair da zona de conforto. A ideia de pronto e acabado é constantemente negada diante das necessidades do mundo contemporâneo, pois esse exige pesquisa, comprometimento e nos propõe que estejamos conectados o tempo todo com o que acontece ao nosso redor.

Nesse novo cenário, não há lugar para imediatismo, ou seja, buscar resultados sem reflexão e sem a problematização necessária que os conceitos pré-estabelecidos nos oferecem. Estamos preparando nossas crianças para serem adultos capazes de interagir em situações repletas de diversidade e de transformações constantes? Permitimos e mediamos acessibilidade cultural aos nossos alunos? Possibilitamos ações que permitam que a acessibilidade e a inserção no universo cultural aconteça? O que hoje é acessível? Quem são as pessoas que têm acessibilidade aos espaços culturais?

São questões que demandam urgência por ser a cultura uma das portas de entrada para inserção social. Os currículos escolares, hoje, não permitem que essa acessibilidade aconteça aos educandos quando não proporcionam ações que possibilitem o contato com os bens culturais existentes em nosso país, tais como museus, cinemas, galerias, núcleos históricos, bibliotecas, sítios arqueológicos, entre outros.

As políticas públicas pensadas para a sociedade em geral pretendem eliminar as barreiras físicas e sociais dos espaços, edificações e serviços, garantidos na Constituição Federal. Para a cultura, a Constituição afirma no Art. 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional1 (…)”. A Escola proporciona esses direitos? A área do conhecimento de Arte atua de forma a garantir que os educandos tenham acesso a visitações, a exposições, a museus, a espaços e espetáculos, teatros, shows, entre outros?

O texto de Jorge Luis Borges2 “A Rosa de Paracelso”, pode nos oferecer inúmeras possibilidades de reflexões a partir de um olhar mais cuidadoso em relação à educação e à cultura, um olhar que nos instigue a pensar e a criar estratégias para vencermos o desafio de mudar nossa postura diante do inevitável mundo que se anuncia: o do conhecimento.

O conto traz a noite em que o personagem Paracelso recebe a visita de um desconhecido que se oferece para ser seu discípulo. O jovem, que conhecia a fama de Paracelso como mestre, estava interessado na prova e sua capacidade em fazer milagres. Por isso, propôs então testemunhar o ressurgimento de uma rosa a partir de cinzas. Porém, enquanto Paracelso procurava conhecimento, assim que percebeu que o aprendiz buscava somente o reconhecimento imediato do seu dom, despediu-se e dispensou o rapaz da casa. E foi só quando o desconhecido virou as costas que o mestre transformou em rosa as cinzas. Paracelso nos ensina que o processo educativo deve ser conduzido pelo ensino e aprendizagem e que, antes de sabermos como fazer o milagre, devemos saber o porquê das transformações, levando em conta as experiências ao longo do processo, conforme fez Paracelso.

Mas, em que a analogia Arte-educação, a Cultura e a Rosa de Paracelso pode nos ajudar, enquanto educadores, a entender melhor as nossas práticas pedagógicas na sala de aula e por que não dizer nossa “alquimia”? Tenho me questionado se nossa postura diante das práticas pedagógicas em sala de aula, enquanto educadores, é de “discípulo” ou de “mestre”.

Se de “discípulo”, valorizamos somente os conceitos, nos furtando das aprendizagens pela experiência, as quais o “mestre” acredita construtora de aprendizagens significativas? Se de “mestre”, como dialogamos com as experiências estéticas dos alunos? Como proporcionamos que eles se relacionem com suas próprias “alquimias”?

Estamos nós educadores proporcionando acessibilidade cultural e criando situações reais de inclusão cultural e aprendizagens, onde os alunos possam construir conhecimentos pautados na percepção, na fruição e na resolução de problemas? Estamos desenvolvendo assim suas habilidades e competências para a construção autônoma dos saberes?

Ampliando ainda mais essa reflexão, busquemos em Jorge Larrosa, a aprendizagem pela experiência:

De uma experiência em que alguém, a principio, era de uma maneira, ou não era nada, pura indeterminação, e, ao final, converteu-se em outra coisa. Trata-se de uma relação interior com a matéria de estudo, de uma experiência com a matéria de estudo, na qual o aprender forma ou transforma o sujeito. Na formação humanística, como na experiência estética, a relação com a matéria de estudo é de tal natureza que, nela, alguém se volta para si mesmo, alguém é levado para si mesmo. (…) Porque se alguém lê ou escuta ou olha com o coração aberto, aquilo que lê, escuta ou olha ressoa nele; ressoa no silêncio que é ele, e assim o silêncio penetrado pela forma se faz fecundo. E assim, alguém vai sendo levado à sua própria forma” (LARROSA, 2004:52).

Essa forma que Larrosa nos aponta de conhecer algo com o organismo todo é uma das formas de vivenciar uma experiência estética, que pode acontecer de um momento para o outro ou durante nossa trajetória de vida e formação.

No texto de Borges (2000), podemos entender no diálogo do mestre com o discípulo, o quanto o produto final e o resultado imediato são valorizados pelo discípulo em detrimento do processo de vivenciar a experiência como sujeito “ex-posto”, como um espaço que tem lugar os acontecimentos3. Em outras palavras, o quanto a “receita pronta” é valorizada em prejuízo da vivência da experiência.

A oportunidade de acessibilidade cultural fica comprometida na medida em que fecha as portas para o que é significativo e abre as portas aos “clichês”, ao que é senso comum e modismo, as consequências desse fato são o não acesso à experiência estética, à cultura e a possibilidade de se formar e se transformar e, assim, se tornar autônomo de sua própria aprendizagem.

Se entendermos discípulo como sendo os professores-alunos dos cursos pós-graduação e ou formação continuada, e mestre como os professores-formadores, poderemos questionar melhor o que – ou como – acontece a prática pedagógica na sala de aula. As práticas dos professores-formadores exploram a cultura e provocam experiências se utilizando do fruir/sentir, do contextualizar/refletir e do fazer/produzir de forma que nossos professores-alunos experimentem com o corpo, com a cognição e com a alma os objetos de estudo?

Existem em cada um de nós, códigos próprios, capazes, pelos conhecimentos e processos de vida e formação, de propiciar atos criadores, trazidos do que nos é mostrado e dito na experiência de significar. No conto de Borges o discípulo duvida do mestre. Ele clama pelo conhecimento pronto e acabado. A escolha do mestre não atendeu às expectativas do discípulo, sua escolha não foi por uma prática pedagógica transmissiva, copiada, treinada, reproduzida, imediatista e somente de resultados, ou seja, de produtos. A postura do mestre foi a de proporcionar experiências capazes de desenvolver as potencialidades e ampliar os saberes do discípulo-aluno, mesmo que os pedidos de resultados pelo discípulo-aluno fossem implorativos e provocativos de descrença.

Assim, num conto breve, Borges (2000) traz o que o século XXI aponta e formula em termos de conhecimento, a oportunidade de dizer de outro modo essa nossa herança: copiar, reproduzir, transmitir. Os professores-alunos sabem as teorias, possuem as informações (acesso a internet, cursos, livros), mas precisam se apropriar dos conhecimentos didático-metodológicos capazes de gerar saberes de como transformar as informações em conhecimentos para construir situações de aprendizagens.

Apesar de sermos pessoas inteiras, providas de corpo, mente e espírito, a escola admite e valoriza o discurso da razão, para não ter nenhuma zona de escuridão, adestrando, controlando, direcionando a opinião conceitual e racional, reforçando assim todo processo tecnicista. Dessa forma, o lugar de direito, que deveria propor experiências estéticas e acessibilidade à cultura, valoriza somente a racionalidade enquanto conhecimento, privilegiando ações e disciplinas em detrimento de outras.

Está posta a dificuldade do processo educacional: a dialética do conhecer versus acreditar. No processo do conhecer existe a entrega, ficamos dialeticamente na busca de sentidos. É preciso mais do que observar técnicas, como o discípulo de Paracelso queria; é preciso questionar.

Faz-se urgente uma reformulação cuidadosa no ensino superior de formação inicial. É preciso um cuidado especial no desenvolvimento e no aprendizado dos que são responsáveis pelo ensino na formação de educadores, pois as questões didáticometodológicas devem ser tratadas como tais e para que isso ocorra é necessário construir meios que possibilitem os professores formarem-se para além da formação inicial, ou seja, formação em curso, para que didaticamente e metodologicamente ele consiga encontrar caminhos e estratégias que o possibilite um pensar para fazer diferente.

O professor-formador deve ser um fabulador – o que favorece a produção de sentidos. Borges nos oferece uma oportunidade de dar sentidos. Onde a confiança e o mistério da experiência de cada um faça sentido. Hoje, estamos contando a nossa história assim. Que fabuladores somos nós e que fabuladores estamos provocando ser nossos professores?

Escolhemos criar estratégias para que cada aluno encontre o melhor de si e, assim, possam crer, ter fé e superar-se o tempo todo, fazendo a diferença onde atuarem? Ou escolhemos transmitir os conceitos culturalmente produzidos pela humanidade, reproduzindo velozmente cópias e mais cópias de homens não reflexivos, o que na analogia do conto de Borges (2000) seria fazermos ressurgir a rosa?

NOTAS E REFERÊNCIAS

1. Constiuição da República Federativa do Brasil. Título VII – Da Ordem Social. Capítulo III – Da Educação, da Cultura e do Desporto. Seção II – Da Cultura. Artigo 215.
2. BORGES, Jorge Luis. A rosa de Paracelso. In: Obras completas. Ed. Globo: 2000.
3. LARROSA, Jorge. Linguagem e educação depois de Babel. traduzido por Cynthia Farina. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. p. 161.

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Arte, cotidiano e cultura visual: perspectivas de uma arte/educação dialógica

A arte contemporânea tem oferecido possibilidades para aproximar espectador e Arte, pois, ao levantar indagações acerca de elementos do cotidiano, a postura contemplativa do público em relação à Arte pode ser substituída por um caráter questionador, permitindo uma interlocução mais próxima da realidade e favorecendo a acessibilidade. Contudo, é fundamental refletir sobre o real sentido da acessibilidade nas instituições.

A respeito desse fato, lançamos as seguintes reflexões: será que o desejo de ampliação do acesso está ligado ao aspecto quantitativo do público, tão necessário para a subsistência das instituições culturais? Ou se encontra na maneira como a Arte pode provocar a fruição estética e o pensamento reflexivo?

David Thistlewood, pesquisador em arte/educação, acredita que os museus de Arte estão preocupados com sua popularidade, assim eles investem mais no ato de produção e menos no conteúdo. Ou seja, existe uma preocupação maior com o aspecto quantitativo em detrimento da responsabilidade com a formação do olhar crítico do espectador. Essa responsabilidade, atribuída geralmente ao setor educativo, infelizmente ocupa o último espaço na escala de prioridades na maioria das instituições brasileiras. Porém, compreender a relação arte x público é pensar, inevitavelmente, sobre a função e a responsabilidade educativa dos museus e instituições.

Nessa perspectiva, a função educacional está presente em todas as ações, desde a linguagem visual da exposição e dos textos curatoriais, até as atividades e estratégias de mediação.

A educação em museus não se restringe a um departamento que lide com crianças, escolas, comunidade, cursos para adultos (…) A curadoria e o design das exposições são educação também. A maneira de expor, de pendurar as obras, está diretamente ligada a conceitos de como se aprende arte que dominam uma sociedade. (BARBOSA, 2008:106)

Todavia, além das conexões institucionais necessárias para se estabelecer um processo de ensino-aprendizagem completo, torna-se fundamental a construção de ações que promovam o acesso levando em consideração as diferentes formas de percepção, sejam elas físicas, sensoriais ou intelectuais, na qual a vivência e a cultura visual do indivíduo é prioridade.

Para Michael Parsons, professor de Arte/Educação da Universidade de Ohio – EUA, a cultura visual contemporânea tem sofrido mudanças significativas, a ponto de tornar-se difícil a distinção entre aspectos da cultura visual, tais como a arte institucional, a arte popular e elementos midiáticos. O que se percebe é que, apesar de historicamente o ensino de arte ter baseado-se nos valores da elite cultural, a discussão das representações na arte/educação contemporânea tem se destacado na busca do desenvolvimento de práticas pedagógicas que promovam a pluralidade através da cultura visual.

Essa característica tem sido promovida pela diversidade de suportes utilizados pelos artistas, como o corpo e as mídias digitais, além dos diferentes discursos que a arte assume, especialmente os sociopolíticos. Assim, a questão incorpora certo tom de reconstrução social, permitindo ao público desenvolver uma reflexão crítica em relação aos sistemas sociais e políticos representados esteticamente na contemporaneidade.

Esse tipo de experiência de conexão, a fim de estimular a leitura artística reflexiva, foi experienciada na primeira exposição do projeto Política da Arte, sob curadoria de Moacir dos Anjos, na Fundaj. Esteve em exposição o coletivo dinamarquês SUPERFLEX1, com a exibição dos vídeos: Burning Car2 (Carro em Chamas3, de 2008), com 11 minutos de duração e Flooded McDonald’s4 (McDonald’s inundada3, de 2009), com 20 minutos.

O projeto, que se fundamenta na capacidade que a arte tem de gerar reflexão e potencializar a criticidade, criou para essa exposição um espaço onde o espectador teve acesso a materiais como livros, catálogos de arte e a um grande mural com fotos do processo de produção da obra, reportagens e informações referentes ao tema. Ao longo da exposição, nesse mesmo espaço, aconteceram mesas-redondas entre profissionais de diversas áreas, visando fomentar a discussão sobre Arte e Política.

Durante as exibições do vídeo Burning Car (2008), foi comum o tema ser tachado por alguns visitantes como banal. Contudo, ter ao alcance informações sobre protestos e outras situações envolvendo o símbolo do carro queimado, dava às pessoas a possibilidade de enxergar uma realidade mais próxima e assumir uma posição crítica em relação à obra. A partir da junção entre a arte institucionalizada, elementos midiáticos e o repertório visual individual, foi possível ampliar os elementos reflexivos, superando as colocações que refletiam apenas um juízo de gosto.

No Flooded McDonald’s (2009) a abordagem se deu da mesma maneira, ficando uma maior expectativa de nossa parte pelo fato de a globalização ser um tema explorado diariamente na mídia e, além disso, a McDonald’s, temática dessa vez do coletivo, ter sido reproduzida em tamanho real para ser inundada.

Nesse sentido, a mediação educativa também pôde acontecer de forma mais consistente, pois tais elementos serviram como subsídios para o diálogo com os estudantes que recebemos durante o período de exposição dos dois vídeos. Através de reportagens e outras informações presentes no mural, a discussão que os artistas apresentavam na obra e as realidades cotidianas dos alunos foram aproximadas, partindo da cultura visual para desenvolver a mediação.

Assim, em 18 de dezembro de 2009, recebemos para mediação uma turma do Ensino Médio, na faixa etária dos 16 anos, da Escola Estadual Aníbal Cardoso, situada no município de Ipojuca-PE. A mediação aconteceu no período de exibição do vídeo Flooded McDonald’s (2009) e um fator inesperado foi fundamental para corroborar a necessidade de aproximação entre a arte institucionalizada e elementos cotidianos: dos dez alunos presentes, apenas um havia frequentado a lanchonete. Desse modo, precisávamos levantar questionamentos que não se fundamentassem nas referências de ter estado naquele lugar, mas em outras reflexões que poderiam ser suscitadas a partir do tema.

Com isso, levantamos temáticas como o lixo, a globalização e o espaço da mídia na construção do gosto do indivíduo e, nesse contexto, a presença do mural foi muito importante, pois as conexões estabelecidas puderam ser sedimentadas, favorecendo a reflexão crítica. Nesse sentido, pudemos desenvolver uma mediação mais consistente, buscando nas referências dos alunos, a relação a ser estabelecida com a obra.

Conseguimos, assim, perceber o quanto isso é essencial para se construir uma mediação que de fato estabeleça um diálogo, devendo a equipe estar atenta para as diversas possibilidades e realidades que cercam a nós e aos nossos possíveis públicos.

A experiência de mediação no projeto Política da Arte, assim como outras experiências educativas, tem colocado em pauta a importância do repertório imagético para construção das diferentes possibilidades de leitura de uma obra de Arte. Essa relação está presente nos elementos midiáticos, na estética artística consagrada, no repertório visual individual e, sobretudo, na imaginação.

Pensar uma relação entre público e obra onde os múltiplos aspectos da cultura visual estejam presentes é uma tarefa difícil. Diante do repertório amplo de elementos visuais que cada indivíduo possui, torna-se quase impossível pensar estratégias educativas que consigam abranger os aspectos pertencentes à bagagem visual de todos os sujeitos.

Na mediação da exposição do grupo dinamarquês SUPERFLEX, a equipe educativa procurou estabelecer uma relação entre os elementos imagéticos disponíveis e a herança visual de cada um, que, associados à maneira como a curadoria organizou o espaço, potencializou a discussão. Com isso, percebemos a importância de promover a acessibilidade à Arte de maneira híbrida e inclusiva diante de aspectos físicos, sensoriais ou intelectuais, possibilitando uma aproximação e fruição estética que está intimamente ligada à cultura visual.

Tivemos como prova dessa aproximação, um e-mail que a professora Sandra Buarque da Escola Aníbal Cardoso nos enviou, contando como a experiência de mediação vivenciada na exposição havia sido significativa. A professora lembrou que durante o trajeto da escola para a Fundaj, no dia da mediação, os alunos haviam passado pelo lixão do município de Ipojuca – PE, colocando esse fato como um aliado importante para a leitura que o grupo fez do vídeo. Ressaltando inclusive que “A correlação entre a imagem do lixão e o vídeo (…), será alvo de estudo neste próximo ano”.

Nessa perspectiva, ficou evidente que se as estratégias de mediação educativa não levarem em consideração as interfaces da cultura visual, de maneira a adequar-se aos diferentes tipos de público, podem enfatizar indivíduos que reflitam a cultura ocidental dominante diante do seu repertório. Dessa forma, estereótipos advindos de formações culturais diferentes, inclusive não ocidentais, estariam à margem das possíveis conexões entre arte e público.

Podemos afirmar que as conexões que os estudantes estabeleceram entre Arte e cotidiano, na mediação da exposição do grupo SUPERFLEX ultrapassaram os limites da galeria e nos fizeram acreditar que as reflexões iniciadas dentro de espaços expositivos podem e devem ser infinitas e dialógicas. Finalizamos com a sensação de que essa experiência não se encerra, assim como seus desdobramentos que dialogam com o cotidiano, a cultura, a Arte e, sobretudo com a vida.

Bibliografia

# BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino de Arte. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 134 . Coleção Estudos.
______. Dilemas da Arte/Educação como mediação cultural em namoro com as tecnologias contemporâneas. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea : consonâncias Internacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008 . p.98 -112.
# DIA S, Belidson. Entre Ar te/Educação multicultural, cultura v isual e teor ia queer. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea : consonâncias Internacionais. 2 . ed. São Paulo: Cor tez, 20 08 . p. 27 7-291.
# FAIRCHILD, Marguerite; SE VIGNY, Maurice J. Aprendizado visual: uma análise sócio-lingüística sobre a crítica de arte no ensino de artistas. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea : consonâncias Internacionais. 2 . ed. São Paulo: Cor tez, 20 08 . p. 388 – 4 03.
# HERNÁNDEZ, Fernando. Cultura visual, mudança educativa e projeto de trabalho.
Porto Alegre: Ar tes Médicas Sul, 20 0 0.
# MORRIS, Ballengee. Questões de diversidade na Educação e Cultura Visual: comunidade, justiça social e pós-colonialismo. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2. ed.São Paulo: Cortez, 2008.
p. 26 4 -276 .
# THISTLE WOOD, David. Arte contemporânea na educação: construção, desconstrução, re-construção, reações dos estudantes brasileiros e britânicos ao contemporâneo. In: BARBOSA, Ana Mae (Org.). Arte/Educação contemporânea: consonâncias Internacionais. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. p. 113-125.

NOTAS E REFERÊNCIAS

1. Grupo dinamarquês surgido em 1993, o Coletivo Super flex apresenta obras  que questionam e alfinetam a realidade econômica e política mundialmente. É composto pelos artistas Bjornstjerne Reuter Christiansen (1969), Jakob Fenger (1968) e Rasmus Nielsen (1969). Entre as obras do coletivo, destaca- se o Guaraná Power, trabalho que causou polêmica no circuito ar tístico ao ser impedido de par ticipar da 27 º  Bienal   de São Paulo. Mais informações sobre o grupo podem ser encontradas no site: http://www.superflex.dk, em inglês.
2. Burning Car / Carro em Chamas ( 20 08, 11min) exibe um carro que é incendiando até que sobre apenas ferros retorcidos e   cinzas.
3. Tradução utilizada na exposição da Fundaj.

4 . Flooded Mc Donald’s / Mc Donald’s Inundada ( 20 09, 20 min) exibe uma réplica da lanchonete Mc Donald’s sendo progressivamente alagada pela água que a invade não se sabe de onde, a  ponto de ficar totalmente submersa. A  imagem inicial é  de um    lugar que foi abandonado às pressas, repleto de vestígios de lixo    e  comida.

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