Reflexões Sobre a Decisão Judicial que Considerou Negligência da Escola Não Ter Oferecido Aulas Consoante as Necessidades Educacionais de Aluno Com Deficiência.
Dada a importância histórica deste fato e a importância que essa decisão tem na educação de pessoas com deficiência, Professor Francisco Lima faz ampla reflexão a respeito do julgamento, oferecendo subsídios legais para que outras famílias possam ajuizar suas próprias ações em defesa dos estudantes com deficiência que estão recebendo educação inadequada, insuficiente e em desacordo com as necessidades educacionais específicas de que precisam. Professor Francisco Lima repercute, ainda, o papel do judiciário na inclusão educacional da pessoa com deficiência, apontando que esse papel pode ser também de exclusão por razão de deficiência.
Esta densa entrevista oferece ao leitor interpretações legais, sob a égide da inclusão, sendo fonte para os operadores do direito, assim como para os da educação. Pessoas com deficiência e seus pais poderão ter nas reflexões do Professor Francisco Lima fonte para instruírem suas próprias demandas, ou, ainda melhor, poder fazer as escolas ver onde incorrem em erro quando não ensinam levando em consideração as necessidades educacionais de seus alunos, ato que as escolas devem esforçar-se em fazer, tanto por definição legal, como por orientação didático pedagógica.
A decisão judicial que inspirou o Professor Francisco a produzir estas reflexões, ao entender do Professor, coloca um marco histórico, entre o modelo tradicional de educação e o modelo da inclusão.
“Certamente, não será agora e, de uma só penada, que os desmandos escolares serão desfeitos, contudo, este é um divisor de água, onde o conhecimento de tal fato dará às pessoas a esperança de poderem estar em um mundo onde se poderá aprender democraticamente, sem que se seja punido por razão de deficiência, e que esta não seja usada como motivo de exclusão educacional”.
ENTREVISTA COM PROF. DR. FRANCISCO J. LIMA (2006).
O professor reflete, sob a égide da educação inclusiva, a respeito do recente processo que envolveu, de um lado uma escola pública federal, de outro, um aluno com deficiência que estuda nessa escola. O aluno com TDAH, considerava que sua reprovação na sexta série do ensino fundamental era injusta, ao passo que a escola defendia a reprovação do aluno, alegando não saber que o aluno tinha TDAH e que precisava de algum tipo de atenção especial.
Como você vê a inclusão escolar?
As pessoas com deficiência têm o direito à educação, assim como as demais. E, assim como as demais, as crianças com deficiência têm o direito de estudar em toda e qualquer escola pública ou particular que desejem fazê-lo. Assim, a escola e família devem se unir para garantir a melhor e mais completa qualidade de ensino para o aluno. A inclusão não é algo pronto e acabado; é uma constante construção de cidadania, dignidade e respeito entre as pessoas.
É proibido às escolas, públicas ou particulares, negar matrícula a uma pessoa com deficiência, sendo tal negação, de acordo com a Lei Federal 8.753 de 1989, crime punível com reclusão de um a 4 anos. Então, fica descartada toda a possibilidade de se entender que alguém, em algum lugar, possa ter o direito de discriminar uma pessoa com deficiência, por exemplo, impedindo-a de estudar numa escola pública ou privada. Nossa Constituição é cristalina quando diz em seu artigo 227 que é dever, também da sociedade, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ora, a escola é, e faz parte, da sociedade, sendo inegável seu dever e papel, na educação, na formação profissional e na formação do caráter e da moral social de todas as crianças. Uma má formação (uma “deformação educacional”), levada a termo por escolas excludentes, poderá levar a uma “deformação” do caráter e da moral social do cidadão adulto. Então não se pode falar em impedir as pessoas com deficiência de estudar em escola particular, como se a escola particular não fosse sociedade e, por conseguinte, não tivesse o dever de educar e de não discriminar por razão de deficiência. (Ah, prefiro chamar a escola paga, particular, de particular; não gosto de vê-las como privadas.
Mas, esse artigo constitucional é bem mais amplo e precisa ser citado para que todos possam ver nele o dever de todos nós para a educação das crianças com e sem deficiência. Veja o que diz esse importante artigo de nossa Carta Maior:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. (Constituição Federal, 1988)
Recentemente, você deu um parecer num caso em que um aluno com TDAH foi reprovado e pleiteava ser progredido. O que ele alegava?
Ele achava que tinha sido “injustiçado”, pois, ele sabia a matéria de matemática e o professor lhe reprovara, baseado em seu comportamento. Também sua professora de educação física o reprovou porque ele não alcançou os objetivos esperados para os jogos de tabuleiro, damas e xadrez.
Tendo estudado os pareceres dos professores, ficou-me patente que os comportamentos pelos quais os professores lhe puniam nada mais eram que manifestações dos sintomas da síndrome, do TDAH.
O professor de matemática, por exemplo, alegava que o garoto esquecia seu caderno, não parava quieto, não prestava atenção etc., todos comportamentos sintomáticos do TDAH.
Pelo estudo do caso, fui de parecer (estou convicto disso)que o aluno deveria ser progredido para série seguinte e que a escola deve fazer um plano de acompanhamento pedagógico para o aluno; que ele tenha um profissional no Colégio que o possa ajudar em suas obrigações escolares; que a escola deve oferecer a seus professores informação sobre o que é TDAH e como essa síndrome interfere no comportamento da criança, do adolescente e também do adulto, porque não?
Foram essas e outras as orientações constantes no meu parecer de mais de 6 dezenas de páginas com fundamentação teórica e legal comentada e bem relacionada ao caso do estudante.
Como a escola recebeu essas orientações?
Leia a entrevista na íntegra no link Leia Mais.
Reflexões Sobre a Decisão Judicial que Considerou Negligência da Escola Não Ter Oferecido Aulas Consoante as Necessidades Educacionais de Aluno Com Deficiência.
Dada a importância histórica deste fato e a importância que essa decisão tem na educação de pessoas com deficiência, Professor Francisco Lima faz ampla reflexão a respeito do julgamento, oferecendo subsídios legais para que outras famílias possam ajuizar suas próprias ações em defesa dos estudantes com deficiência que estão recebendo educação inadequada, insuficiente e em desacordo com as necessidades educacionais específicas de que precisam. Professor Francisco Lima repercute, ainda, o papel do judiciário na inclusão educacional da pessoa com deficiência, apontando que esse papel pode ser também de exclusão por razão de deficiência.
Esta densa entrevista oferece ao leitor interpretações legais, sob a égide da inclusão, sendo fonte para os operadores do direito, assim como para os da educação. Pessoas com deficiência e seus pais poderão ter nas reflexões do Professor Francisco Lima fonte para instruírem suas próprias demandas, ou, ainda melhor, poder fazer as escolas ver onde incorrem em erro quando não ensinam levando em consideração as necessidades educacionais de seus alunos, ato que as escolas devem esforçar-se em fazer, tanto por definição legal, como por orientação didático pedagógica.
A decisão judicial que inspirou o Professor Francisco a produzir estas reflexões, ao entender do Professor, coloca um marco histórico, entre o modelo tradicional de educação e o modelo da inclusão.
“Certamente, não será agora e, de uma só penada, que os desmandos escolares serão desfeitos, contudo, este é um divisor de água, onde o conhecimento de tal fato dará às pessoas a esperança de poderem estar em um mundo onde se poderá aprender democraticamente, sem que se seja punido por razão de deficiência, e que esta não seja usada como motivo de exclusão educacional”.
ENTREVISTA COM PROF. DR. FRANCISCO J. LIMA (2006).
O professor reflete, sob a égide da educação inclusiva, a respeito do recente processo que envolveu, de um lado uma escola pública federal, de outro, um aluno com deficiência que estuda nessa escola. O aluno com TDAH, considerava que sua reprovação na sexta série do ensino fundamental era injusta, ao passo que a escola defendia a reprovação do aluno, alegando não saber que o aluno tinha TDAH e que precisava de algum tipo de atenção especial.
Como você vê a inclusão escolar?
As pessoas com deficiência têm o direito à educação, assim como as demais. E, assim como as demais, as crianças com deficiência têm o direito de estudar em toda e qualquer escola pública ou particular que desejem fazê-lo. Assim, a escola e família devem se unir para garantir a melhor e mais completa qualidade de ensino para o aluno. A inclusão não é algo pronto e acabado; é uma constante construção de cidadania, dignidade e respeito entre as pessoas.
É proibido às escolas, públicas ou particulares, negar matrícula a uma pessoa com deficiência, sendo tal negação, de acordo com a Lei Federal 8.753 de 1989, crime punível com reclusão de um a 4 anos. Então, fica descartada toda a possibilidade de se entender que alguém, em algum lugar, possa ter o direito de discriminar uma pessoa com deficiência, por exemplo, impedindo-a de estudar numa escola pública ou privada. Nossa Constituição é cristalina quando diz em seu artigo 227 que é dever, também da sociedade, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ora, a escola é, e faz parte, da sociedade, sendo inegável seu dever e papel, na educação, na formação profissional e na formação do caráter e da moral social de todas as crianças. Uma má formação (uma “deformação educacional”), levada a termo por escolas excludentes, poderá levar a uma “deformação” do caráter e da moral social do cidadão adulto. Então não se pode falar em impedir as pessoas com deficiência de estudar em escola particular, como se a escola particular não fosse sociedade e, por conseguinte, não tivesse o dever de educar e de não discriminar por razão de deficiência. (Ah, prefiro chamar a escola paga, particular, de particular; não gosto de vê-las como privadas.
Mas, esse artigo constitucional é bem mais amplo e precisa ser citado para que todos possam ver nele o dever de todos nós para a educação das crianças com e sem deficiência. Veja o que diz esse importante artigo de nossa Carta Maior:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
II – criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. (Constituição Federal, 1988)
Recentemente, você deu um parecer num caso em que um aluno com TDAH foi reprovado e pleiteava ser progredido. O que ele alegava?
Ele achava que tinha sido “injustiçado”, pois, ele sabia a matéria de matemática e o professor lhe reprovara, baseado em seu comportamento. Também sua professora de educação física o reprovou porque ele não alcançou os objetivos esperados para os jogos de tabuleiro, damas e xadrez.
Tendo estudado os pareceres dos professores, ficou-me patente que os comportamentos pelos quais os professores lhe puniam nada mais eram que manifestações dos sintomas da síndrome, do TDAH.
O professor de matemática, por exemplo, alegava que o garoto esquecia seu caderno, não parava quieto, não prestava atenção etc., todos comportamentos sintomáticos do TDAH.
Pelo estudo do caso, fui de parecer (estou convicto disso)que o aluno deveria ser progredido para série seguinte e que a escola deve fazer um plano de acompanhamento pedagógico para o aluno; que ele tenha um profissional no Colégio que o possa ajudar em suas obrigações escolares; que a escola deve oferecer a seus professores informação sobre o que é TDAH e como essa síndrome interfere no comportamento da criança, do adolescente e também do adulto, porque não?
Foram essas e outras as orientações constantes no meu parecer de mais de 6 dezenas de páginas com fundamentação teórica e legal comentada e bem relacionada ao caso do estudante.
Como a escola recebeu essas orientações?
Não posso dizer, ao certo, nunca fui procurado pela escola para tratar sobre isso. Pelo contrário, fui barrado na tentativa de oferecer as informações que, provavelmente, teriam posto fim no conflito, escola x família, evitando com que o caso fosse parar no poder judiciário e o aluno sofresse tanto, psicológica e academicamente.
Você é professor de educação inclusiva no curso de pedagogia e licenciaturas diversas na Universidade Federal de Pernambuco, enquanto professor, como você vê essa situação de impasse entre escola e aluno?
Sou também membro da pós graduação em educação da UFPE, e oriento dissertações nessa área. Embora conheça bem a realidade da pessoa com deficiência, não consigo deixar de ficar “mal”! Fico triste mesmo! Tenho visto professores alegarem não terem tido formação para educar crianças com deficiência; tenho visto professores se considerarem incompetentes para ensinar alunos com deficiência; tenho visto escolas se recusarem a receber alunos, alegando que não estão preparadas para ensinar alunos com deficiência; tenho visto sentenças judiciais equivocadas impedindo crianças com deficiência de estudar; tenho visto professores “temendo não saber como lidar com alunos com deficiência em suas aulas) excluí-los, puni-los por sua deficiência; tenho visto professores de escolas particulares e públicas negarem aos alunos com deficiência o direito de serem cidadãos completos e dignos. E quando fazem isso, impedem que todos os demais coleguinhas desse aluno com deficiência venham ter a oportunidade e o direito de conviver e aprender com toda a diversidade humana.
O grande problema não é que os professores não foram formados para ensinar alunos com deficiência, mesmo porque, não existe uma pedagogia da deficiência. O grande problema é que os professores foram formados a não ensinar pessoas com deficiência. Durante muito tempo, essas pessoas eram vistas como incapazes de aprender e mais recentemente, eram vistas como só podendo ser ensinadas por professores “especialistas”. E essa especialização da educação levou a uma segregação das crianças com deficiência.
Assim, hoje, precisamos quebrar o mito da incapacidade da pessoa com deficiência em aprender, deixando muito claro que se elas não aprendem é porque somos nós que estamos sendo incapazes de as ensinar. Trata-se, pois, de problema de “ensinagem” e não de aprendizagem. E, certamente, não estou negando a existência das deficiências, menos ainda dos limites que elas impõem. Estou, contudo, negando terminantemente que, por uma pessoa ter uma deficiência, ela se torne um todo “deficiente” incapaz para aprender e para partilhar conosco seu conhecimento.
Na verdade, o que estamos falando aqui é de preconceito, de mitos e falta de compassividade e humildade de professores que não se dignam de perguntar ao aluno com deficiência como juntos podem fazer para aprenderem, já que ao ensinar, o professor também aprende. A educação bem feita nunca é ensino de mão única. Os professores de que estou falando esqueceram-se das lições do pai da inclusão no Brasil, o mestre Paulo Freire.
Esse nosso grande educador, Paulo Freire (1921-1997) apresenta-nos os fundamentos para uma prática docente inclusiva, acordes com os melhores ensinamentos mundiais de nossos dias e de outros educadores do passado.
Quando eu assistia ao julgamento do caso do aluno Paulo, cujo parecer comentamos há pouco, eu pensava na coincidência dos nomes e do fato de ambos serem, em épocas diferentes, do Centro de Educação da UFPE, onde ontem, aquele Paulo ensinou e este Paulo, hoje estuda.
De Paulo para Paulo, ensina-nos aquele grande mestre da Educação, a lição da humildade e respeito pelos alunos.
Será que o jovem Paulo e os demais alunos de seu Colégio vêm tendo, nos exemplos de seus professores, a lição que o mestre Paulo ensinou no Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco, Centro que abriga o Colégio de Aplicação, que hora discrimina seu jovem aluno de 14 anos?
Bem, pela situação que relatava o desembargador, no momento do julgamento, eu via que não.
Mas, que disse Paulo Freire no passado mesmo?
“O meu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosidade, à sua timidez, que não devo agravar com procedimentos inibidores, exige de mim o cultivo da humildade e da tolerância.
Como posso respeitar a curiosidade de educando se, carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temo revelar o meu desconhecimento?
Como ser educador, se não desenvolvo em mim a indispensável amorosidade aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo formador de que sou parte?
Não posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem.”
E o que nos diz o jovem Paulo?
“Quero que faça a justiça! Quero estar estudando na sétima série, junto com meus colegas, pois para isso, como eles eu me preparei e estou preparado para na sétima série estudar”.
E o que falam alguns dos professores do menino Paulo?
Que ele não se comporta bem; que se comporta mal; que tem mau comportamento…. e que, por isso, apesar de seu bom desempenho acadêmico, ele deve ser reprovado peremptoriamente, sem compaixão!
Isso tudo eu refletia, enquanto o julgamento corria e eu podia ver o sofrimento que a situação impunha aos pais que, temerosos, receavam não ver a justiça ser feita. A final, não seria a primeira vez que um pleito, ainda que justo, não encontrasse guarida no julgamento dos homens.
Pensava eu nisso e, de uma certa forma, sofria junto, pois eu me lembrava de um artigo recente que eu lera, o qual levantava questões cruciais para a educação e a formação de professores. E isso me torturava, uma vez que o “professor-aluno” é também “aluno-professor”, ambos em formação. E isso fica, ainda mais visível no curso de pedagogia.
E ali eu estava vendo essa realidade materializada numa sena horrenda, um julgamento sobre a progressão de um aluno para uma série seguinte. Julgamento que deveria ter sido deferido pelos próprios professores do aluno.
Minha cabeça fervilhava com as questões à medida que o relator lia as razões e contra-razões da lide:
Mas, afinal, não ensinam nos cursos de pedagogia e licenciaturas diversas que “O primeiro dever do professor é ser compassivo com os estudantes e tratá-los como a seus próprios filhos?.
Que o professor deve estar constantemente alerta para os fracassos dos alunos mas, como um pai, deve ser capaz de amá-los?
Que o professor, ao dissuadir o estudante de seus maus hábitos, deve fazê-lo através de sugestões e não de modo aberto, com simpatia e não com repreensões ofensivas?
Não fomos ensinados e concordamos que o professor deve fazer o que ensina e não permitir que suas obras desmintam suas palavras?
Não aprendemos que o professor não é uma fonte de informações, mas um exemplo vivo do efeito dos ensinamentos, sobre seus alunos?
Será que seus professores fazem o que Paulo Freire lhes deixou como lição?
Será que os professores do garoto Paulo dão, com suas ações, exemplos daquilo que ensinam? E será que o que ensinam é o que a eles foi ensinado pelo grandioso Educador, Paulo Freire?
Será que os professores do Colégio desse jovem estão trabalhando, uns com os outros, em benefício de seus alunos, incluindo estes no planejamento de suas aulas?
Será que esta escola é inclusiva de fato, ou só o é na rejeição das diferenças?
Meu desalento era perceber que os fatos indicavam que o grande mestre e seus ensinamentos estavam sendo sacrilegicamente negados, esquecidos, ignorados.
As demais questões postuladas eram, assim que feitas, respondidas todas, na forma de desagradar, desolar, fazer sofrer a qualquer educador que se preze. E como educador, eu, me sentia desolado e desagradado,a cada linha que o relator lia, não pela leitura do desembargador, mas pelos fatos relatados.
A escola apresenta em seu estatuto conceitos inclusivos, inclusive quanto à metodologia de ensino e à avaliação. Então, que fatos são esses?
Bem, para que uma escola seja inclusiva ela precisa mais que ter alunos com deficiência, ou definir-se como tal em seu estatuto e no discurso de seus operadores educacionais.
Ora, para que fosse efetivamente inclusiva e respeitosa dos direitos da criança, do jovem aluno, esta escola, deveria ter adaptado seus projetos pedagógicos para contemplar recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar e suplementar, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades desse aluno.
O Fato é que não fez!
Tivesse a escola feito isso, o jovem Paulo teria sido contemplado em sua especificidade de pessoa com deficiência. Não o tendo feito (como de fato, não o fez), seu Colégio o discriminou. Exemplo disso foi o processo avaliativo a que ele foi submetido e que não soube respeitar suas necessidades educacionais de aluno com TDAH. Não tendo feito, reprovou-o, nada mais, nada menos, que pelos comportamentos que apresentava e que são sintomáticos da síndrome do TDAH.
Foi o processo avaliativo (que é o diploma maior da competência de seu avaliador) que estampou a atuação dos três docentes que retiveram o jovem Paulo na sexta série do ensino fundamental. E fizeram isso, descuidando do que o grande mestre da avaliação, Cipriano Luckesi, nos ensina: “Aprendizagem satisfatória não significa, em si, aprovação. Porém, em si, significa aprendizagem satisfatória. O que, evidentemente, conduz a uma aprovação.”
Pois bem, o fato é que, tivesse o Jovem aluno recebido de seus três professores, aulas com qualidade condizente com sua necessidade especial de pessoa com TDAH (aulas estas que não recebeu), eles teriam encontrado a mesma competência que os demais professores que o ensinaram (consoante essas premissas), encontraram no aluno.
E bastou a esses professores ensinar ao jovem Paulo, respeitando sua diferença, tratando-lhe com dignidade e ensinando-lhe com competência para verem sua competência na avaliação do estudante.
Portanto, tivessem os três professores ministrado suas aulas com mesmo requinte de humanidade, flexibilidade e qualidade de ensino (o que não fizeram), o jovem Paulo teria demonstrado sua competência.
Mas, como você pode afirmar que não o ensinaram, que não deram as condições para aprender como os demais alunos?
Primeiro, ninguém aprende igual. Segundo, ninguém manifesta seu conhecimento da mesma forma, embora os professores conteudistas tradicionalistas não acreditem nisso, mas, no contrário. Oposto a esse entendimento do passado, contudo, hoje reconhece-se com unanimidade que as pessoas têm inteligências múltiplas e não apenas aquelas tradicionalmente “validadas” pelos testes de QI. E isso significa que se pode, e, de fato, é sugerido que se faça, uso de avaliações que contemplem as “IMs”, uma vez que, um aluno pode não demonstrar o conhecimento de uma maneira, porém fazê-lo de outra.
Mas, afirmo isso, afirmo que o aluno não teve as avaliações, por conseqüência aulas, adequadas, pelo teor dos pareceres dos professores sobre o aluno. Se ao aluno tivesse sido oferecida uma avaliação adequada, ele teria mostrado seu conhecimento. E se esse conhecimento tivesse sido insuficiente, a escola teria apresentado um plano de trabalho para suprir as lacunas de aprendizagem do estudante. Acontece que ela não apresentou, não fez. E como não fez, o resultado foi o esperado: A famosa profecia de auto-realização, onde o aluno não é bem sucedido, pela baixa expectativa, empenho, investimento ou aplicação dos professores. Confirma nossa afirmação o já conhecido argumento de que “a escola fez tudo que podia e que o problema é da família”. Isso quando não dizem que “o problema é do aluno mesmo que é o que tem deficiência”. Eu digo que o problema é a escola, por não reconhecer sua deficiência, por não saber avaliar-se a si própria e a seus alunos, pois como diz Paulo Freire, já citado aqui,
E como você avalia esse processo, essa situação toda?
Do ponto de vista da família, penso que foi uma situação de grande angústia, ansiedade, medos e muita preocupação. A mãe estava grávida e passou, pelo menos 3 meses de uma gravidez com riscos, nessa situação de conflito e de temores. Felizmente o resultado, ainda que “provisório, é uma tutela antecipada, foi favorável e ela poderá ter seu bebê, com mais tranqüilidade. Do ponto da escola, acho que ela perdeu uma grande oportunidade de rever suas estratégias educacionais, sua postura perante seus alunos e os processos de avaliá-los. Agora, a escola tem outra chance e eu espero que o bom senso aflore, acima da mágoa e do rancor, do luto de se perder uma lide. Situações como estas desabonam a instituição e prestam um desserviço para a educação, para a maioria dos professores da escola, além de “deformar” os alunos, já que vêm na atitude de alguns de seus professores, exemplos nada dignos de um educador. O Brasil precisa de bons exemplos. A escola precisa ser a primeira a dá-los. Por fim, do ponto de vista do aluno, ele conquista o direito de ser reconhecido como um aluno do Colégio e não apenas um “portador de TDAH”, ou pior, um garoto “mal comportado, desleixado” etc., rótulos equivocadamente colocados no estudante, devido a uma interpretação leiga dos sintomas que ele apresentava. Agora, ele poderá ser visto como uma pessoa íntegra, cujos “traços” de pessoa humana incluem o de ter TDAH. Além disso, do ponto do aluno, tal decisão resgata-lhe a auto estima, a qual estava enormemente prejudicada pelo fato de se sentir injustiçado pela reprovação baseada em seu comportamento e que lhe desconsiderava o desempenho escolar e o empenho pessoal. Antes, ele estava falando em desistir e recusava-se a ir para a escola. Já estava delineando o conhecido quadro de evasão escolar, o qual, no meu entendimento não é evasão, mas sim exclusão, na medida em que ele estava sendo levado a sair da escola e não
que era seu desejo fazê-lo.
Do ponto da educação, do ponto de vista da justiça, durante a seção de julgamento eu me perguntava reflexivamente, o tempo todo:
O que realmente está em julgamento aqui neste tribunal, neste dia que pode entrar para a história da educação e da justiça brasileira?
Seria o desejo de um aluno em ver a justiça ser feita, progredindo-lhe para a sétima série, garantindo-lhe o direito a uma educação de qualidade que lhe contemple os méritos e não lhe puna pelos sintomas de sua deficiência?
Ora , o que está em verdadeira discussão neste julgamento? Seria o desejo de uma mãe em ver seu filho aprender? Que a justiça não é apenas para os “poderosos”, como o é uma instituição Federal, mas, também o é para um jovem aluno dessa mesma Instituição educacional Federal?
Ora, o que está em verdadeiro julgamento “nesta casa de Salomão” do terceiro milênio?
Seria o “poder” dos professores sobre os alunos, valendo o que ditam, contra o que é de direito e justiça do jovem estudante?
Ou, ainda, seria a vez e a hora de o poder judiciário (por meio deste tribunal de apelação) fazer-nos ver a justiça dos homens, sendo feita pelos homens, em benefício dos homens?
Tudo isso eu me perguntava e tentava responder para mim mesmo, na tentativa de apaziguar meus próprios temores.
Assim, em dado momento, respondi para mim mesmo, como se estivesse eu, ali, falando aos desembargadores:
–“Com o respeito que os nobres Desembargadores merecem, e nós aos senhores devemos, permita-nos afirmar que este julgamento, acima de tudo, trata da garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana, da dignidade, da cidadania, da liberdade e dos deveres previstos em nossa Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como da plena garantia do direito à educação devidos prioritariamente às crianças e aos adolescentes e às pessoas com deficiência.
Trata-se aqui de o Poder Judiciário fazer entender às escolas que elas, elas todas, sem exceção, devem se adaptar para o recebimento de crianças e adolescentes com deficiência, não podendo discriminá-los ao lhes recusar acesso, se ali desejarem entrar.
Trata-se aqui de o Poder Judiciário fazer entender às escolas que elas, elas todas, sem exceção, devem se preparar, no fazer pedagógico diário, para atender à diversidade de seus alunos (inclusive os com deficiência, com dificuldade de aprendizagem, de origem lingüísticas diversas, de origem geográficas, econômicas raciais, etc), ensinando a todos (e a cada um), consoante suas necessidades educacionais especiais, sempre visando à promoção da pessoa humana e sua dignidade e cidadania.
Trata-se aqui de o Poder Judiciário fazer entender às escolas que elas, elas todas, sem exceção, não se devem curvar aos desejos do aluno, assim como o aluno não deve curvar-se ao “poder” da escola, mas que ambos devem se curvar aos ditames de nossa Carta Maior, a qual, ainda vigente, reconheceu, em 1988 pela primeira vez no Brasil, que os indivíduos, até então chamados de “Excepcionais”, retardados etc., agora receberiam legalmente o status de pessoa. Pessoa humana, dotada de todos os direitos previstos por ela, nossa Constituição, sem distinção, sem discriminação, sem paternalismos, sem diferenciação, a não ser que essa diferenciação seja para igualá-las em direitos, em dignidade, em oportunidades, com as demais pessoas.
Trata-se, também, em ter fé no homem, visto que a Deus, ela já está rendida.
Trata-se de inaugurarmos, no seio de nosso sistema educacional, uma educação para todos e não que pára todos; trata-se de pôr por terra o modelo meritocrático, o modelo médico pedagógico o modelo de educação excludente que vem sustentando um sistema educacional que impede e exclui as muitas pessoas, as pessoas de raça negra, as que são pobres e as pessoas com deficiência, entre outras, pertencentes aos muitos grupos vulneráveis de acesso à escola, ou lá permanecerem.
Por fim, trata-se de inaugurar na própria Instituição Federal de Ensino, paga pelo dinheiro de todos os contribuintes, de todos os Brasileiros, uma escola inclusiva que receba e trate a todos os alunos com dignidade para que a maior lição que uma escola possa dar, ela tenha para oferecer em abundância. Refiro-me à lição de que cada um de nós deve respeito ao outro, pois todos, sem exceção, somos todos pessoas humanas, independentemente de nossas origens, credos, fenótipos, genótipos e demais idiossincrasias.
Só será pelo respeito ao outro e a seu direito, que seremos respeitados e teremos respeitados nossos direitos.
O que você conclui do exame dessa situação em que, de um lado a escola reprova o aluno e de outro, o aluno contesta a decisão da escola? Quem ganhou com isso?
Bem, quando um conflito desse chega ao Poder Judiciário, podemos até achar que alguém perderá, ou que alguém “já ganhou”. Entretanto, de um lado, ambas as partes perderam, visto que não conseguiram encontrar um denominador comum que prevenisse o gasto e o desgaste para ambas as partes. A escola tem mais que se preocupar com a educação de seus alunos que ficar pelejando na justiça. E o aluno, tem mais que estudar que ficar na mira de acusações e defesas de advogados, diretores coordenadores, pais ou quem quer que seja que, num processo possa atuar. Nesse sentido, ambos perderam, já que ambos perderam tempo precioso para o ensino e a aprendizagem.
Por outro lado, ambos ganharam se souberem aproveitar a oportunidade que têm nas mãos, oferecida pela justiça, a saber, buscar um modelo de avaliação que seja condizente com o aluno real e não com um aluno virtual, imaginário, fictício, homogeneizado por um modelo educacional excludente.
Agora, o verdadeiro ganho será o da sociedade, visto que até neste momento, ela só está perdendo, uma vez que é ela que vem arcando com o ônus social e econômico desse malfadado conflito.
Como assim?
Explico-me. Todo o sistema educacional e judiciário é pago pela sociedade; as pessoas envolvidas, direta e indiretamente neste processo são a sociedade; o efeito dessa sentença tem implicação na sociedade, queiramos ou não, tenhamos noção disso ou não.
Entretanto, para que realmente a sociedade ganhe com essa lição, a escola, como um todo, aqui materializada no Colégio do jovem estudante, deverá transformar-se para atender à cada um de seus alunos, pois, antes que a escola assuma para si, uma prática inclusiva, uma disposição para mudar e passe a respeitar a todos seus alunos, com todas as suas peculiaridades (inclusive de síndromes);
antes que os professores do Colégio recebam a atenção devida, por parte de seu coordenador e diretor, com vistas a suprir as necessidades e lacunas desses professores, dentro de uma formação educacional para diversidade;
antes de que o coordenador de curso e o diretor da escola percebam que eles são partícipes na educação dos alunos, portanto sendo por eles responsáveis;
antes que tudo que foi apresentado e debatido neste processo judicial, seja feito, refletido e posto em prática como ação pedagógica inclusiva,
antes que os professores, de educação física, de matemática, de artes, ou de cada outra matéria sejam chamados a se qualificarem ao trato e ao ensino de pessoas com deficiência, aceitar a cumplicidade de coordenadores de curso, de diretores, dos pais, das secretarias de educação etc. na retenção de um aluno, sob a alegação de que não obteve nota ou conhecimento suficiente para progredir para a série seguinte, nada mais é que dar guarida à discriminação, ao preconceito e, acima de tudo, ao desrespeito à pessoa humana com deficiência, à sua dignidade e senso de cidadania;
antes que a escola se transforme para ensinar a todos sem distinção e sem homogeneizar as idiossincrasias, aceitar a reprovação do aluno é aceitar a segregação da pessoa com deficiência; é adotar a prática de discriminação como ato educacional; é denegar às crianças e adolescentes o direito de serem educados com o conceito de cidadania e dignidade defendidos por nossa carta magna;
antes de que o aluno com deficiência seja tratado condignamente, como deve ser tratadas todas as crianças, inclusive as com TDAH, é inadmissível reprovar este jovem estudante com deficiência que conta apenas 14 anos de vida, ou qualquer outro, independentemente de sua idade cronológica ou “mental”; antes que isso tudo seja feito, a sociedade não terá ganho e o ganho individual será de muito pouco valor comunitário.
Por outro lado, se nos juntarmos em torno desses objetivos, estaremos todos ganhando com uma sociedade mais justa, humana, respeitosa e democrática.
E como se pode alcançar isso? Tem alguma lei que garanta os direitos da pessoa com deficiência?
Bem, acredito que podemos alcançar todos esses objetivos através da educação, do desenvolvimento de uma consciência inclusiva, assim como se desenvolveu nas crianças uma consciência ecológica, a qual começa a dar frutos, como sabemos.
Este processo certamente terá um valor pedagógico e, por isso é que a sentença oferecida pelos doutos desembargadores terá valor histórico, tanto para a educação, quanto para a própria justiça brasileira. Quanto as leis, temos muitas, muitas mesmo! Todavia, também os educadores e os operadores do direito ainda não se apropriaram dessa vasta legislação, mesmo porque, ela está pulverizada em tantas leis que é quase impossível rastreá-las e acompanhá-las. Também há o problema de interpretação dessas leis que ainda sofre o efeito da visão histórica de preconceito e discriminação que abrigou a pessoa com deficiência até 1988, quando se promulgou a atual Constituição. A interpretação dos documentos legais ainda encontra, portanto, o ranço do entendimento de que pessoas com deficiência são “deficientes”, são incapazes, precisam ser tuteladas, que não podem falar por si, que não podem ser independentes e exercerem seu “empoderamento” etc. Toda essa gama de idéias arquetípicas, estigmatizantes e preconceituosas sobre a pessoa com deficiência, por vezes, nubla a visão do educador e do próprio julgador, resultando em atitudes como a que presenciamos na escola do aluno Paulo e que são habituais nas escolas, apenas não são denunciadas. Exemplo dessas atitudes descabidas, também exercidas entre os magistrados, é o daquele juiz que discriminou uma garotinha com síndrome de down, impedindo-a de estudar numa escola particular, junto de seu irmãozinho. Não obstante, essas situações encontram seu contraponto em julgamentos lúcidos como quando desembargadores decidem que uma criança tem de ser avaliada academicamente, consoante sua necessidade educacional especial e não de maneira “retilínea”, como se faz com os alunos em geral.
Quando porém, não se consegue fazer a razão e o bom senso imperarem e professores despreparados prejudicam/discriminam alunos por razão de deficiência, felizmente, temos o Poder Judiciário e nosso ordenamento jurídico para recorrermos. E assim devemos fazer!
Sabemos que as leis não modificam a realidade, porém, às vezes, é graças a uma legislação punitiva que a realidade se aproxima de um ideal de sociedade mais justa e menos excludente. Sabemos, também, que as leis não são suficientes para eliminar o preconceito, a discriminação, o desrespeito aos direitos universais, fundamentais e sociais da pessoa humana e a má qualidade do ensino. Porém, quando a escola não quer aceitar, respeitar, acolher, educar consoante às necessidades especiais do aluno com deficiência, contra ela cabe o nosso insurgimento.
Assim, apoiados na Constituição da República de 1988, no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), no Plano Decenal de Educação para Todos (1993), na Política Nacional de Educação Especial (1994), na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) e no Plano Nacional de Educação (2001), apoiados em nossa carta maior que proíbe a discriminação e o preconceito, apoiados no fato de que nosso país é signatário de vários documentos internacionais que proíbem todas as formas de discriminação, que defendem o direito à educação para todos, que propõem a igualdade de condições, oportunidades e qualidade de vida para todos, apoiados na Lei Federal nº 7.853, de 24/10/89 que define como crime, recusar um aluno com deficiência, ou fazer cessar seu direito à educação; apoiados na Lei 9.394/96 que prevê a inclusão de “educandos com necessidades especiais” na rede pública de ensino; apoiados na Convenção sobre os direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto nº 6949/09 e, apoiados na vasta fundamentação teórica e legal disponível, podemos e devemos clamar aos nobres Magistrados que se dignem a garantir, com a justiça e pela justiça, o direito de os alunos progredirem para as séries superiores de sua educação, sempre que a escola não lhes oferecer uma educação e uma avaliação que contemplem suas necessidades educacionais especiais, pois os alunos não podem ser punidos pelo erro ou negligência da escola. Esteados em todos esses dispositivos legais e em todos os demais que pudermos lançar mão, devemos, ainda, recorrer ao Poder Judiciário para garantir ao aluno com deficiência que receba a educação com qualidade que merece, estando condicionada essa qualidade à igualdade de condições e oportunidades, bem como, condicionada ao respeito a que a ele é devido, por ser pessoa humana com deficiência. Garantir tais direitos a um aluno é o primeiro passo para garantir os direitos
das muitas crianças com deficiência, por todo este vasto Brasil, , discriminadas em função de sua deficiência, neste nosso tripudiado sistema educacional.
Com efeito, a justiça alcançada, também ao jovem Paulo, será a justiça alcançada a todas as crianças com deficiência posto que,sendo feita em relação a uma pessoa, a justiça será feita para a humanidade.
Ninguém é uma ilha, e ser humano é ser responsável pelo outro, ainda que esse outro não seja nosso vizinho querido, o amigo, o colega, o parente próximo ou algum conhecido do bairro, do trabalho ou da escola.
Assim, façamos desta lição, as fundações para um mundo melhor em que não se precise recorrer à Justiça, para que direitos fundamentais da pessoa humana sejam respeitados. Mas, enquanto este mundo estiver em construção, porém, estejamos alertas para estar lá recorrendo e fazendo respeitar nossos direitos ou de quem os tiver desrespeitados.
Muito obrigado.
Francisco Lima