Sinal de Criança

Autor: Francisco Lima

Sinal de Criança

As meninas de outrora, querendo, não podiam negar.
Da mão de seus pais, com estranhos deviam casar.
Um dia foi assim; devemos lembrar.
Hoje é assim, basta olhar.
Meninas na ruas, sem casa, sem lar.
Nos sinais de Boa Viagem…a sorrir e dançar,
Esperando dinheiro, para si e seu par.
Meninas crianças que ao receberem moedas, nos fazem chorar,
Por vê-las nas ruas, em idade escolar.
Crianças mulheres, com fome de amar.
No sol e sem praia, nem escola, nem um lar.
Irmãs dos meninos, que nas esquinas, ficam cola a cheirar.
Enquanto turistas risonhos, à beira do mar,
Leem sobre os políticos safados, que só fazem roubar,
E mulheres, jovens crianças, nos sinais a dançar,
Menina criança, sem escola, sem lar,
Espera o dia, que o rico a passar
Leve sua honra, em troca de um lar.
Honra perdida, só resta chorar.
Então sem trabalho, dinheiro e a quem amar,
Agora mulher, jovem criança, com fome de dar,
Somará nas esquinas da Conselheiro Aguiar,
às mulheres sem maridos, com filho a criar.
Até um dia, quando se vir sem comer, brincar ou estudar,
Seu filho crescido, quererá a história mudar.
De arma em punho, se porá a roubar,
E o serviço fará, na Conselheiro Aguiar.
Longe de lá, num bairro esquisito,
Tendo o sol começado a brilhar, um cidadão entorpecido,
Coração apertado, cabeça em conflito, se porá a arrumar, na marmita, farinha e ovo frito.
E irá para o trabalho, com medo de encontrar
Criança menina, no sinal a dançar.
E o irmão dela, dias mais velho, pronto para matar.
Sabe o cidadão, ali em seu lar,
Que o risco é grande de à noite ficar,
Numa dessas esquinas, impedido de voltar.
Em casa seus filhos, sem pai a chorar
Sem entender porque no Recife, crianças sem lar,
Dão origem a jovens, que aprendem a roubar.
E com arma em punho, a vida a tomar,
Dando curso a história, de crianças sem lar: meninos e meninas, no sinal a “trabalhar”.

Publicado por

  • Francisco José de Lima

    Professor Adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); Coordenador do Centro de Estudos Inclusivos (CEI/UFPE); Idealizador e Formador do Curso de Tradução Visual com ênfase em Áudio-descrição “Imagens que Falam” (CEI/UFPE);Tradutor e intérprete, psicólogo, coordenador do Centro de Estudos Inclusivos. E-mail: cei@ce.ufpe.brView all article by Francisco José de Lima

Senhor L e o Assassino da Igreja

Um estralar de dedos foi ouvido no escritório do senhor L e a janela se abriu rápida e silenciosamente, deixando o ar fresco e aromático do fim de tarde tomar o ambiente. Ele desligou o computador, onde trabalhara ininterruptamente desde as 4 da madrugada, depositou uma série de papéis numa gaveta da escrivaninha, trancando-a com uma pequena chave de prata. Com o pé, pressionou a alavanca que fez erguer a tampa da lata de papéis para reciclagem, deslizou a chave para dentro de uma fenda sob a tampa que, ao receber a pressão do objeto, disparou um mecanismo que fez desaparecer a escrivaninha, colocando outra no lugar.
Então, levantando como se levitasse e andando como se deslizasse, ele se aproximou da janela, Lá ficando parado, sorvendo o ar lentamente e olhando para o horizonte, como que sonhasse um sonho de felicidade. Seu rosto brilhava calmamente e seus lábios sorriam, em um sorriso amplo e genuíno de criança que acabara de ganhar um presente.
A tarde estava magnífica. Pela manhã o sol fora escaldante, porém agora a temperatura estava mais amena e o grande astro tinha como batedor uma brisa leve, refrescante e contínua.
De pé ali junto à janela, ele ficou uns 5 minutos, o espírito em atitude de contemplação e os sentidos em êxtase profundo, os pensamentos harmonicamente flutuando pelo universo, sem, contudo, pousarem em nada em particular. Ele era apenas contemplação, mente, espírito e corpo constituindo um todo único e indivisível.
Daí, como que tomado por uma ideia repentina, virou-se e, tão rápido quanto chegara à janela, saiu dali e seguiu para porta. Dedos estralados, indicador tocado na porta e esta e a janela estavam fechadas atrás de si, sem que se pudesse ouvir ruído dos mecanismos. O elevador, sempre à sua espera foi imediatamente acionado para descer, mas nele ele não entrou. Dirigiu-se para a escada e, quando chegou à garagem, ouviu o elevador sinalizar que também ali estava chegando.
Então, sorrindo, disse em voz baixa, para ele mesmo, já que não tinha ninguém por ali: “Ah, você chegou um segundo atrasado, seu elevador tartaruga. Vou ter de acelerar você outra vez”. Então, olhando para seu belo relógio suíço, pensou que não foi nada mal, que os 180 degraus descidos naquela velocidade eram uma boa marca.
Enquanto percorria com os olhos a garagem privativa, seus 4 carros, suas duas motos e suas 3 bicicletas, enquanto decidia por qual veículo optaria, ele se lembrava de quando começou a apostar com o elevador quem chegaria antes.
Ele era um menino, então. No começo, ele apertava o botão do elevador no primeiro andar e disparava pelas escadas para ver quem chegava no térreo na frente. Quando venceu o elevador no terceiro andar, ele comemorou, quebrando uma garrafa de água gaseificada contra o chão do elevador, como se costuma batizar os navios com champanhe. E isso lhe rendeu uma grande reprimenda do pai, uma vez que não tendo contado àquele a razão de seu comportamento, O pai achou que havia sido uma trela do filho. Agora que competia no quinto andar, ele começou a acelerar o elevador, sempre que passava a ganhar com facilidade.
Tão rápido quanto essa lembrança lhe passara pela mente, ele decidira pela bicicleta, com a qual agora percorria os quarteirões de sua rua e alcançava a avenida das Flores.
Essa era uma avenida longa e margeava o rio, passava pelo lado norte do parque e se encontrava com a avenida principal, depois de 13 km de subidas, descidas, curvas para direita e para esquerda, depois de uma reta de 372 metros e uma ponte pensa. Era o caminho perfeito para percorrer naquele fim de tarde tão agradável. Os pássaros que habitavam as árvores ao longo da avenida faziam do passeio uma experiência inesquecível, pela beleza de seus diversificados cantos, pela beleza de suas diferentes plumagens e pelas evoluções que faziam no ar, ao irem de uma árvore para outra.
Observando tudo isso, ele pedalava, não mais rápido que os pedestres caminhavam pelas calçadas. De fato, ele parava de pedalar, deixando a bicicleta seguir até ela não mais tivesse força para as rodas completarem novo ciclo. Então, dava novo impulso, mas apenas o suficiente para que a bicicleta se mantivesse em um movimento lento, rítmico e equilibrado.
Assim ele cobria os metros, as centenas de metros, os quilômetros. E, ao fazê-lo, ia mentalmente tirando fotos, pois fotos eram o que efetivamente tirava, com os olhos. Nada lhe passava despercebido; nada lhe ficava fora das fotografias mentais que ia registrando despretensiosamente, despreocupadamente a cada nova mudança de cenário. A habilidade viso-imagética que tinha para fotografar mentalmente tudo que ocorria ao seu redor era tanta que ele brincava de unir as lembranças em novas configurações, colocando a passearem juntas na praça central, a mulher morena de cabelos castanhos, presos em rabo de cavalo, com a jovem negra, de rastafári e óculos, embora ambas tivessem sido vistas, uma no ponto de ônibus, 3 dias antes, e a outra, no supermercado, há duas horas. Todas as imagens eram manipuladas em uma projeção dentro de sua cabeça. E ele também fazia isso por meio digital, depois de desenhar à mão ou no computador, pois a habilidade que tinha era tal que seus desenhos pareciam verdadeiras fotos profissionais.
ele ia passeando, tirando as fotos, brincando com elas e tirando novas fotos que se somavam ao seu acervo mental.
Agora, contudo, ele já completara o circuito e pedalava pela avenida Principal. O relógio digital de sua bicicleta marcava exatamente 17 e 45 quando ele parado no semáforo da Principal com a rua das Torres, via na esquina da direita, um adolescente que se aproximava de um senhor maltrapilho, de mãos estendidas e com cara de pedinte. O jovem trazia uma pequena sacola plástica com 3 maçãs e duas laranjas. Ainda do lado direito, na esquina oposta , uma vendedora de caldo-de-cana dava troco a um garoto que tinha uma garrafinha plástica verde na mão esquerda e um copo do delicioso líquido na outra.
Na esquina da esquerda, na calçada oposta à da vendedora de caldo de cana, um casal se beijava no rosto, ele seguindo pela Principal, ela, apressando-se à atravessar a rua das Torres. Como que se a esperando do outro lado, na esquina da esquerda do ciclista, uma jovem de aparência estudantil, fitava a mulher que logo antes estava na esquina diagonal a ele, beijando em despedida o homem alto e de chapéu. Agora, juntas na calçada da Principal, elas se uniram e seguiram pela avenida, num caminhar gingado e saltitante, como ele pôde acompanhar pelo retrovisor de sua bicicleta.
A uns 30 metros dali, à frente dele, a igreja de São Pedro, magnificamente edificada acima de uma longa escadaria de mármore, recebia de portas abertas, uma dúzia e meia de pessoas que subiam os degraus, como em uma procissão, ocupando cada espaço, uns mais à frente e acima, outros mais abaixo, logo atrás.
Eles constituíam um animado, mas não menos organizado cortejo de jovens e idosos religiosos, cujas aparências denotavam a despreocupação com as coisas mundanas e com as dificuldades do comum das pessoas.
Subindo aquelas escadas, pareciam mesmo que estavam prestes a falar com Deus, suas roupas impecáveis, seus semblantes irradiando felicidade e suas risadas, alegria.
Nesse momento o semáforo abre e o ciclista que até agora vinha pedalando sua bicicleta preguiçosamente, parte como uma flecha e, em um segundo, alcança a moto que, num instante atrás, estava parada junto à calçada, na frente da escadaria da igreja.
No entanto, a moto acelera fundo, assim que seu passageiro pula na garupa, deixando para trás, atônitos os transeuntes que não podiam acreditar no que viram: uma moto para na frente das escadas da igreja. Dela salta um passageiro. Sem tirar o capacete, Ele sobe as escadas, trazendo na mão uma sacola de supermercado. Já quase no topo, toca no braço esquerdo de um homem que se vira para ver quem o abordava. Ao ver o motoqueiro, o tal homem fica imóvel, olhos arregalados e boca entreaberta. O motoqueiro diz algo e, colocando a mão na sacola, tira de lá um revólver e atira à queima roupa no homem que não teve tempo, sequer de sair do degrau em que estava.
Embora uma dezena de pessoas poderiam ter se lançado contra o motoqueiro que agora retirava-se rapidamente dali, ninguém esboçou o mais leve movimento. E agora era tarde. A moto partira à toda, com o assassino na garupa.
Assim, antes de que tivessem alguma atitude, a moto desaparecia entre os carros, ônibus e mais motos, uma vez que eram quase seis horas e aquela avenida era uma das mais movimentadas da cidade naquele horário.
Num instante, então, começou a gritaria, a correria desordenada, a confusão: “Ele está morto! Gritavam alguns. “Socorro!” Berravam outros. “Ajudem, pelo amor de Deus!” Suplicavam as senhoras. “Chamem um médico!” Bradavam os velhos. Mas, ninguém fazia nada de fato, a não ser os jovens que tiravam fotos com seus Smartphones e tablets e postavam no face book, twitter e blogs pessoais diversos.
A possante moto, agora, ia velozmente pela Principal, ultrapassando pela direita, subindo nas calçadas para desviar do trânsito e liderando outras motos nos corredores entre os carros. Junto dela, o ciclista que antes tivera parado no semáforo, vinha grudado em seu passageiro.
Tendo visto o ocorrido, pois nada passava despercebido aos olhos atentos dele, o ciclista colocara-se a pedalar velozmente, alcançando a moto, bem quando ela partia da igreja, levando na garupa o assassino.
Agora, irremediavelmente preso por aquele ciclista, o passageiro puxava à reboque aquele misterioso estranho que guiava sua bicicleta apenas com a mão direita. A esquerda, como uma garra, prendia-se à cinta do fugitivo, com uma força que era impossível fazê-la soltar.
O motorista da moto, vendo que o ciclista não soltava do passageiro e este não podia deixar de se segurar com ambas as mãos, sob pena de cair, passou a tentar derrubar o ciclista, de todas as formas:
Curvas com a moto deitada; guinadas para direita e esquerda e o ciclista sempre junto, parecendo ser uma extensão deles; freada brusca, quebra-molas vencidos em alta velocidade, finas em postes e em outros veículos eram tiradas, mas o ciclista apenas jogava a perna direita para trás, ficando em pé no pedal esquerdo, sem perder um centímetro na perseguição. Tudo era tentado, mas o ciclista estava ali, inabalável, irredutível na sua decisão de acompanhar aquela moto insana.
Agora, contudo, perseguidor e perseguidos estavam numa parte mais estreita da avenida, logo antes da ponte. Um ônibus à frente, um caminhão vindo na via contrária e o motoqueiro e seu comparsa, irresolutos na decisão de derrubar seu perseguidor, guiam a moto para entre os dois veículos, os quais em poucos metros estariam lado a lado. Parece que o ciclista encontrou seu fim: Continuar seguindo a moto implicará em estourar sua cabeça contra a traseira do ônibus; soltar-se, na velocidade em que estava, era pedir para cair e arrebentar-se contra o asfalto ou, quando menos, se tivesse sorte apenas ficar com alguma lesão permanente.
20, 15, 10 metros e, uma brusca puxada para a direita e o ônibus literalmente se jogava para o acostamento, parando metade na pista, para pegar uma passageira que decidira, de último momento, dar com as mãos para o ônibus parar.
O ciclista a vira lá, loira, cerca de um metro e setenta, esguia, blusa vermelha e calça blue jeans e sandálias brancas. Nos ombros, uma mochila azul marinho, típica dos estudantes universitários.
Ela era linda e agora, sem saber, salvava a vida dele.
No minúsculo espaço que se abriu entre caminhão e ônibus à frente da moto e da bicicleta, entram eles, o motoqueiro com seu passageiro assassino e o misterioso ciclista , o primeiro, fechando os olhos instintivamente, esperando o crash do ciclista contra o ônibus, o barulho de metal e do corpo de seu perseguidor esmagando-se contra aquela parede de ferro em movimento, esperando, talvez, ser, ele próprio, arrastado para baixo do caminhão que vinha no sentido contrário, esperando, ao abrir os olhos, ver o sangue e o que restaria daquele insistente ciclista e, quiçá dele próprio e de seu passageiro. Este, com os olhos esbugalhados, gritava um “vamos morrer” desesperado, ao ver o que estava para acontecer. O habilidoso ciclista, porém, dominando a situação com destreza e fleuma extraordinárias, mantinha-se firme no selim de sua bicicleta, pilotando-a como a um caça americano.
Segundos se passaram, mas nem um crash, nem um solavanco e, abrindo os olhos, o motoqueiro viu o ônibus dando uma puxada para direita, como se tivesse dando espaço para que passassem, bem em cima da hora. Mas, ainda haveria tempo para isso? O ônibus conseguiria dar abertura suficiente para que moto e bicicleta seguissem seu percurso?
Um centímetro a menos e tudo estaria acabado. Não acabou! Agora eles voavam entre o caminhão e o ônibus e se viam entrando na ponte.
Devida a falta de conservação do asfalto, na entrada da ponte, porém, a moto se desequilibrou e, desviando de sua pista, passou a andar na contramão, indo em direção a uma caminhoneta do corpo de bombeiros que entrava à toda na ponte pelo outro lado. Aí, um tranco, um grito, o inconfundível barulho de ferro se chocando e moto, motoqueiro e passageiro foram lançados no ar e na água, no rio lá embaixo.
Num segundo, eles iam em direção à caminhonete, no outro, o ciclista misterioso desferia tão grande chute contra a moto que esta foi lançada para lateral da ponte, quebrando-a e despencando lá de cima.
Com uma freada ensurdecedora, que tirou fumaça do asfalto, a caminhonete parou e, os bombeiros, prontamente se puseram a trabalhar no resgate dos tripulantes da moto, viu o ciclista pelo seu retrovisor, quando já saía da ponte, deixando para trás o caos momentâneo que se abatera no local da cena do acidente.
Num relâmpago, pessoas se aglomeravam, vindas de todos os lados e sabe-se de onde mais.
Então, ele pedalou mais duas quadras, entrou a direita e parou em um estacionamento, sem ter sido acompanhado por uma alma que fosse. Ele simplesmente se tornara invisível na ponte. Todos viam o acidente e ninguém prestava atenção nele.
Desmontando, perguntou ao segurança onde poderia deixar sua bicicleta por algumas horas. Indicado que a deixasse presa no canto do salão, lá prendeu-a numa barra própria para esse fim.
Então, ele pagou por 4 horas adiantado e depositou seu capacete num armário destinado a guardar os pertences dos usuários do estacionamento.
Calmamente, dirigiu-se ao banheiro
E, lá, lavou o rosto, trocou de camiseta, colocando uma de gola polo bege (ele sempre tinha alguma peça de roupa extra em sua mochila); tirou dela um boné branco que deitou na cabeça, até lhe cobrir toda a testa, colocou um par de óculos tipo fundo de garrafa e, numa naturalidade imensa, saiu para rua, como se tivesse entrado ali portando esses objetos e vestindo aquela camiseta.
O segurança, agora conversando com outro cliente que chegava não viu o ciclista saindo e, 5 minutos depois de ali ter chegado, ele já seguia de volta para avenida, tão transformado que quem quer que o tivesse visto antes não o reconheceria: O modo de andar, o jeito de olhar, suas feições, tudo havia mudado de tal sorte que ele não parecia mais que com um jovem estudante compenetrado e sonhador.
Nesse novo corpo, ele caminhou de volta, em direção à ponte, onde, agora, dois homens estavam deitados, recebendo cuidados dos soldados do corpo de bombeiros.
De alguma forma conseguindo passar entre os curiosos que se aglomeravam entorno dos acidentados, o jovem se aproximou de um deles que ainda estava com os olhos fechados, respirando fortemente e, se reclinando sobre ele sussurrou: Eu vi o que você fez lá atrás na igreja, assassino!”
Por um momento, o homem não se mexeu. Ele tentava entender o que acontecera: tudo ia bem, ele fizera o serviço limpo e sem atropelos como, ademais, era sua prática. subira na garupa do Queiroz, que o esperava com a moto ligada e partiram, antes que alguém das escadarias da igreja tivesse percebido o que acontecera. No momento seguinte, ele quase cai, puxado por uma força intensa que o prendia pela cinta da calça. De fato, não fosse segurar com toda força na cintura do Queiroz, ele teria sido arrastado da moto que partia na toda.
Ao olhar de lado, ele vê um ciclista acompanhando a moto, guiando a bicicleta com apenas uma das mãos.
O Queiroz passou quebra-molas em velocidade, subiu em calçadas, tirou fina de postes e o desgraçado do ciclista estava grudado a eles como uma sombra. Então, aquilo: a fina no ônibus, a entrada errada na ponte o chute na moto e eles dois mergulhando nas águas do Grande Rio, como se fossem dois suicidas malucos.
E, agora, alguém lhe dizia aos ouvidos que viu o serviço. Num segundo ele pensa em tudo isso e no outro, pula de pé, como se tivesse visto um fantasma à sua frente. Tudo que vê, no entanto, é um jovem quatro olhos, com cara de abestalhado, uma multidão de idiotas curiosos por sangue e morte, uns bombeiros atrapalhados com o Queiroz e ninguém que parecesse lhe ter dirigido a palavra.
Daí, o jovem com óculos de fundo de garrafa, dando um passo em sua direção, grita: “moço, não pula não!”. Ele não ia pular, mas, vendo o jovem se aproximar repentinamente, por instinto recuou um passo.
Acontece que atrás dele estava a lateral quebrada da ponte e ele quase se desiquilibrou ao se afastar.
O soldado, vendo o homem ali em pé e, respondendo sem pensar ao que o jovem gritara, agarrou o homem pela cintura, prendendo-o com uma força de brutamonte que era.
E o jovem continuou, em seu gritinho histérico: Cuidado, ele tem um revólver no bolso direito. De fato ele o tinha. Era seu Tauros calibre 38 que usara para fazer o serviço. Mas, como aquele quatro olhos sabia disso, pensou Tião? Era tarde, o soldado brutamonte que o segurava com um braço, buscava no bolso indicado a arma com o outro. Tendo-a encontrado, chamou o parceiro e, num segundo, de vítima de acidente, o passageiro da moto era preso, pois alguém no meio da multidão gritava que um homem havia sido assassinado, nas escadas da igreja de São Pedro, minutos antes.
A confusão na ponte agora era generalizada e dela se distanciava um jovem de boné branco enterrado até os olhos, óculos fundo de garrafa e de mochila.
Logo depois da ponte, ele se dirigiu ao ônibus que há pouco quase fora a razão de sua morte e que ainda estava lá parado por conta do acidente. Ele deu sinal ao motorista que abriu a porta do transporte público, deixando-o entrar.
A sorte lhe sorriu. Ela estava lá, linda, cabelos longos, com cachinhos dourados que lhe molduravam o rosto levemente arredondado, de testa pequena, sobrancelha pretas esculpidas, olhos que eram dois aquários de um azul celeste intenso, límpidos e sinceros.
O nariz era um cumprimento à arte e parecia ter sido colocado naquela face como uma peça de adorno sublime. As orelhas pequenas eram como duas conchas preciosas. A boca era emoldurada por lábios de um vermelho vivo que não encontrava cor igual na natureza ou que pudesse ter sido produzido pelas mãos humanas.
Ao sorrir, dentes de um branco marfim desfilavam a beleza e a perfeição da mais bela obra prima jamais realizada pelo homem. O queixo da moça, tal qual o todo de seu rosto era primoroso, uma mostra de que a oitava maravilha estava ali, viva e sentada naquele banco de ônibus, para o qual ele mesmo se dirigia e agora se sentava, bem ao lado dela.
Seria ela a mulher de seus sonhos? Seria ela a princesa de seu reino encantado. Sim, ele sabia que sim e sabia que com ela teria muitas aventuras. Sem ela, porém, que teria apenas desventuras. E isso, ele, naquele mesmo instante, decidiu que não iria deixar acontecer.

Fim

Publicado por

  • Ruan Carlos

    Discente da disciplina Áudio-descrição, do curso de graduação de Rádio, TV e internet, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).View all article by Ruan Carlos

Oração da Razão

Ah, pai, que me negou a educação
sob o manto do cuidado,
à minha potencialidade disse não.

Ah pai
sua prática deplorável
de diagnose e rotulação
me titulou de não treinável,
providenciou o meu caixão.

Sua visão de especialista,
de formação incontestável,
deu-me o rótulo que carrego,
“deficiente mental treinável”.

E agora que emoção,
três décadas se passaram
chegou a colação.

Hoje com seu trabalho notável,
pai do meu coração,
tenho 30 anos
posso falar com perfeição,
sou deficiente educável
não aprendi a dizer não.

Ah, pai
isso não se faz.
enquanto o mundo caminhava,
me deixava para trás.

Sozinho descobri
que sou um homem capaz.
O tempo se passou,
ele não volta mais.

Vida minha eu perdi,
trinta anos então,
achando que eu aprendia
na sua instituição.

Aprender eu aprendi,
digo com minha razão.
Depois que dela saí,
aprendi a dizer não.

O que escrevo é exemplo,
minha razão bem revela,
agora não é sim,
é não à tutela.

É não à fala mais doce,
à aparência mais bela.
Meu “não” não é bomba,
não mata, nem enterra,
mas mostra da escola,
que antes era bela,
sua verdadeira face:
a face de uma fera.

Ah, pai,
receba esta lição.
Não é mágoa, nem tristeza,
é a mais pura razão.

O que o deficiente precisa,
é de boa educação;
é de escola para todos,
no modelo da inclusão.

Mude sua postura,
isso você precisa
deixe essa atitude
atitude intrusiva.

Defenda comigo
de maneira incisiva,
uma escola que explicita
a educação inclusiva.

A escola especial
teve lá sua função:
Tratou-me como diferente
Manteve-me na exclusão

Tudo isso percebi,
Entendi com a razão
À escola especial
Aprendi a dizer não

Luto por uma escola inclusiva
Que fará transformação
Não amanhã, nem depois
Não sei quando com precisão

Mas, sei que acontecerá
Sinto em meu coração
Quando acontecer
Verei a inclusão

Os filhos de meus filhos
Também Cláudia, Paula e João,
Todos na escola
aprendendo a lição:
A escola para todos
não faz distinção
estudam crianças,
deficientes ou não

É o que determina
Nossa Constituição,
o ECA, a LBI,
Também a Convenção

De tudo isso hoje eu sei
Sei com a razão
Daí querer que mude
A sua instituição
que do especial usa
para impedir a inclusão
Cala as pessoas
Não as ensina dizer não.

Publicado por

Pequenas Histórias do Misterioso Senhor L

Francisco José de Lima

Esta publicação pode ser reproduzida, distribuída, transmitida em qualquer forma ou por qualquer meio, ou armazenada em qualquer sistema de banco de dados ou de recuperação, sem a prévia autorização por escrito do autor, desde que em conformidade com o que determina a lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, capítulo IV, art. 46 D, a saber, não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução “de obras literárias, artísticas ou científicas, para uso exclusivo de deficientes visuais, sempre que a reprodução, sem fins comerciais, seja feita mediante o sistema braille ou outro procedimento em qualquer suporte para esses destinatários”.

Apresentação

Senhor L, também conhecido por Mister H por seus amigos de língua inglesa não é um super-herói no estilo clássico, mas nem por isso deixa de ser um herói charmoso e com identidade oculta.

Suas altas habilidades com as lutas marciais, sua memória fotográfica e grande destreza com o revólver não vão deixá-lo ficar longe das aventuras mais perigosas e empolgantes.

Ele vai lutar contra todos os tipos de bandidos, políticos e policiais corruptos. E ele vai se deparar com aventuras nas ruas, nos ônibus e até em hospitais, escolas e parques de diversão.

Suas aventuras vão ficar ainda mais interessantes e divertidas depois que ele compra um cão especial de nome Greg. E não vão parar quando ele se apaixona por uma bela moça que o salva da morte, durante uma perseguição a um assassino que foge de moto, fazendo as maiores loucuras pelas ruas.

Com histórias curtas e de fácil entendimento, as “Pequenas Histórias do Misterioso Senhor L” é leitura recomendada para aquele tempinho que você tem para ler em seu smartphone, Tablet, iPad ou iPhone, seu iReader ou em seu computador.

Senhor L e os Ladrões do Bulevar San Martin

Era uma daquelas noites em que não se pode ficar em casa, tal a beleza da lua e o frescor do ar que, trazendo a fragrância das flores, toma o ambiente e convida para uma caminhada noturna.

Assim ele sentia, olhando hipnotizado pelo brilho daquela lua cheia, parado na janela de seu apartamento 5 andares acima do chão.

Então, dando alguns passos pra trás, ainda com os olhos fixos no céu, naquela grande bola de prata brilhante, logo ali, ao alcance de suas mãos, ele decidiu sair para rua, para uma caminhada, talvez até o parque próximo.

Tendo decidido, girou ligeiro nos calcanhares, ao mesmo tempo em que estralava os dedos, fazendo a janela fechar-se sem ruído atrás de si. Então, cruzou os doze metros de sua ampla sala de estar, os pés parecendo não tocar o chão, visto que não poderiam, nem os mais atentos ouvidos, escutar-lhes os passos lépidos e silenciosos.

Chegando à porta, bastou tocá-la com o indicador para a abrir, igualmente sem produzir barulho algum. A luz do corredor se ascendeu sobre ele e a porta do apartamento se fechou, mal ele transpusera os batentes. Foi até o grande e luxuoso elevador que o esperava, tocou o botão para descer, mas não entrou. A máquina pôs-se a funcionar e ele seguiu para as escadas, pois sempre preferia a liberdade destas à clausura daquele.

Da mesma forma rápida e silenciosa que atravessou a sala, desceu os 150 degraus, colocando-se no hall, ao mesmo tempo em que seu elevador particular chegava vazio àquele destino.

Ao sair do prédio, inspirou profundamente o delicioso frescor do ar da rua, sentindo a brisa que lhe acariciava a pele em sinal de boas-vindas. Cumprimentou o porteiro com um sorriso jovial que fez o senhor Thomas pensar que aquele turno de trabalho passaria ligeiro e agradável.

Senhor Thomas não sabia por que, mas sempre que recebia aquele cumprimento, apenas um sorriso, pois nunca lhe era dirigida uma palavra sequer, ele ficava em tão bom estado de espírito que passava o resto da noite a assoviar canções de sua juventude. Ele via naquele sorriso magia capaz de acalmar o mais conturbado dos indivíduos e, seu Thomas, por vezes era uma dessas almas grandemente atormentadas pelas maiores das turbulências. Agora, porém, suas preocupações estavam esquecidas e continuariam assim durante um bom tempo. E isso era resultado daquele sorriso feiticeiro do misterioso morador do apartamento cinco, o porteiro pensou, abrindo ele mesmo um sorriso amplo e genuíno que lhe iluminou a face, quase sempre sombria e com ares tristes. Senhor Thomas estava agora claramente feliz e acompanhava com olhos gentis, aquele homem enigmático, até que a vista lhe pudesse alcançar na longa rua, cheia daquelas enormes árvores de troncos roliços e quase retos, que se alinhavam em ambas as calçadas.

Enquanto o senhor Thomas olhava o misterioso senhor L desaparecer por entre as árvores, este observava os olhos pequenos e atentos do senhor Thomas, pregados nele quando saía, mas não fazia conta disso. Ele sabia o efeito que seu sorriso tinha sobre o porteiro e isso lhe comprazia, de fato. Era assim com o porteiro e com virtualmente todos a quem ele dirigia tal recurso, tão pessoal e tão bem utilizado por ele.

No fim da rua, virou à direita e continuou a caminhar sob a proteção das sombras daquelas árvores majestosas, que pareciam desfilar em linha contrária a direção que ele próprio caminhava. Desde pequeno ele gostava de pensar assim, quando corria pelos longos e amplos passeios de seu bairro: em sua imaginação, ele estava parado e as árvores e as casas, às vezes até mesmo as pessoas, eram quem passavam por ele, as árvores, correndo em fila de um lado, as casas, andando lateralmente, pelo outro, enquanto ele apenas as tocava , com os braços esticados longitudinalmente aos ombros, uma palma da mão voltada para as casas, a outra, para as árvores.

Pensando nisso, abriu os braços e tomando o vento que lhe acolhia o rosto, deixou-se voar no tempo e no espaço.

Como as ruas estavam desertas, ele pôde andar assim por vários quarteirões a fio. Agora ele era um menino, rei de seu próprio mundo e de seus sonhos.

Algumas dezenas de metros mais e ele chegaria à grande avenida que dava para o parque. Uma quadra antes de nela chegar, contudo, resolveu que continuaria a andar pelas ruas, já que por estas encontrava o grande prazer de que previra há pouco tempo atrás, ao ver a lua, lá de cima de seu apartamento.

A calma propiciada pela noite enluarada, o anonimato permitido pela escuridão dos trechos mais arborizados e a liberdade de movimento possibilitada pelas vias ermas definiam nele a expressão espírito livre e solto, em sua essência mais profunda e pura.

E foi com esse estado de espírito que ele tomou uma rua secundária e perdeu-se entre sombras, subidas e decidas, cruzamentos e em pensamentos sem sentenças, sem frases nem palavras.

Caminhara assim por mais de duas horas e nem se dera conta disso. Seu espírito flutuava-lhe sobre a cabeça, seu coração, entre as nuvens e seu corpo deslocava-se acima do chão. Ele era apenas ele. Não era um nome, não era um adjetivo. Não era um número nem tão pouco uma face conhecida. Ele estava só, mas não solitário. Ele era um viajante galáctico percorrendo os túneis do centro da terra, carona de seus próprios pensamentos. Ruas eram suas rotas estrelares, as sombras das árvores, os túneis desconhecidos que deveria desbravar. Ele sentia tudo isso e não pensava em nada em especial quando, ao virar à esquerda no Bulevar San Martin, uma rua menos iluminada, tantas eram as árvores de altura extraordinárias, cujos galhos se abraçavam entre si, sendo impossível dizer a que tronco pertenciam, ele viu, a um só momento, duas figuras escondidas nas sombras, costas pregadas no grande muro que vinha desde a esquina próxima e um adolescente, não tinha mais que uns dezesseis anos que subia, pela mesma rua e calçada.

Enquanto as duas figuras sinistras mantinham-se camufladas nas sombras, silenciosas e imóveis, aranhas esperando a mosca que se aproximava, o garoto inerme, murmurando como se rezasse baixinho, andava com passos hesitantes, olhando de cá para lá, os olhos arregalados, como se quisesse enxergar o que não conseguia ou sabia ver, pois é preciso saber ver para que se possa fazer uso da visão, enxergando onde se olha e vendo onde se enxerga. Olhar apenas não basta, nem enxergar é suficiente se não se sabe observar.

E o que o jovem fazia era olhar e olhar: Ele olhava para lá e para cá, sem direcionamento, sem foco, sem ver. A uma folha de árvore que caía, ele estancava aflito e olhava para todos os lados, os olhos arregalados e os lábios trêmulos. A uma sombra que se mexia, pois o galho se movera com o vento lá encima, ele se assustava, parava e tremia todo. Daí, titubeava e recuava uns passos; então, avançava, porém, agora, mais vacilante ainda. Ao ouvir um pássaro cantar, uma coruja piar ao longe ou mais perto, inclinava a cabeça para identificar os ruídos da noite e, não conseguindo, ficava ainda mais aterrorizado, Quase em pânico. E nesse estado mental, não via o mal que lhe esperava à frente e, sem perceber, ia se aproximando lentamente do ponto em que encontraria, aí sim, com seu real perigo.

Tudo isso, aquele que há pouco navegava em pensamentos leve e despreocupado viu, mal entrara na rua. Esta, sendo uma decida íngreme e longa, propiciava-lhe um ponto de observação privilegiado e, ainda que não o fizesse, ele saberia o que estava acontecendo, pois nada lhe escapava aos olhos atentos de águia, nem mesmo quando dormia.

Então, mais um, dois, três passos do adolescente, lá em baixo na rua e, das sombras precipitaram os dois homens, que pela posição dos braços, se podia ver que carregavam armas.

‘ O assalto foi anunciado. O garoto estacou, soltou um grito de pavor e seus olhos brilharam aterrorizados e, depois ficaram brancos, num branco pálido de quem não tem mais forças para manter-se sequer em pé.

Bloqueando-lhe a passagem, os assaltantes agora gritavam baixo e em sucessivas ordens: – “vamos, passe a mochila, Seu imbecil!” “Pressa, dê-me o celular, idiota!” “rápido, tire os tênis e os passe para cá, molenga!” “Anda logo, seu palerma atarantado!” “dê-me o relógio se não eu lhe mato, seu covarde de uma figa!”

Os dois ladrões comandavam ao mesmo tempo, mas o rapaz , tomado de surpresa não conseguia mover-se com o mínimo de coordenação que fosse: ia tirando a mochila, mas ao ouvir que lhe pediam o celular, tirava as mãos da alça da mochila para buscar o celular nos bolsos. Mas, aí, ao ser-lhe dito que passasse os tênis, fazia menção de abaixar-se para os pegar. Então, atrapalhado, parava a ação no meio do caminho, para desabotoar do pulso o relógio que lhe fora pedido.

Vendo que sua vítima não produzia nenhum dos objetos que solicitavam, o ladrão da esquerda colou o revólver na testa do quase desfalecido menino, e, com uma voz aterradora exclamou: – “prepare-se para morrer, seu verme inútil!” “Espécie tão covarde como você não merece viver!” E o outro bandido acrescentou numa gargalhada roufenha: – “vai dar mais prazer matar esse imbecil do que levar seus pertences”.

Então, o som do click da arma engatilhada, um gemido estrangulado do adolescente e um estampido seco que ecoou pela rua, puseram fim à quietude da noite, fazendo levantar uma revoada de pássaros que dormiam nas árvores próximas.

O rapaz pendeu lentamente em direção ao solo, como se desmoronasse, resultado de uma implosão: seus joelhos se curvaram bambos, os braços caíram-lhe frouxos em direção ao chão, enquanto suas mãos procuravam, em vão, apoiar-lhe o corpo que vinha por cima delas.

No entanto, mesmo antes de o garoto ganhar o frio duro da calçada, o assaltante que estava prestes a atirar caiu pesadamente, o sangue escorrendo-lhe pelo lado esquerdo do corpo. E isso, porque vendo o que estava prestes a acontecer, aquele que segundos antes estava na esquina do Bulevar, mais acima, agora já estava ali, junto dos bandidos e vítima. Nas mãos, um revólver 45, ainda esfumaçando do disparo efetuado. Mas, não foi por causa do tiro que o homem caíra, já que este apenas tinha sido atingido no o braço esquerdo, pouco acima do cotovelo.

O que de fato impediu o assaltante de atirar à queima roupa no menino foi o tremendo soco que o bandido havia recebido na cabeça e que o prostrou sem sentidos, bem longe da arma que voara quando ele estava prestes a matar o garoto.

O outro ladrão, ao olhar para o comparsa caído no chão, viu o sangue que parecia sair-lhe do lado esquerdo das costas, bem na altura do coração. E, o tendo visto ali, caído numa possa de sangue, tomou-o como morto. Ao fazê-lo, foi possuído de tão grande fúria contra aquele intruso que teria matado seu amigo que lançou-se contra ele com uma faca de lâmina longa e fina.

O golpe desferido com aquela mortal arma foi com tamanho furor que se não fosse a agilidade e destreza do desconhecido em desviar-se, ele teria sido furado bem no coração, já que foi aí que o sanguinário bandido definiu como sendo o alvo de seu golpe.

No entanto, o estranho misterioso, numa fração de segundo, desfechou enorme chute contra a mão de seu agressor, que lhe quebrou os dedos e fez a faca voar, indo cravar na árvore do outro lado da rua.

A lâmina, portanto, não passou mais perto do que o suficiente para cortar a manga da camisa do intruso misterioso, o qual ainda tinha o revólver empunhado.

Vendo espantado o que acabara de acontecer, , o ladrão, com a face contorcida de pavor e, soltando berros de dor por conta dos dedos quebrados pelo chute que havia levado, girou 180 graus nos calcanhares e desceu os cem metros da rua numa corrida em que raros seriam os campeões que conseguiriam fazê-lo em tão poucos segundos.

Mal o larápio virou a esquina, o adolescente voltou a si, pois que apenas tinha desmaiado, quando vira a arma apontada para sua cabeça.

Contudo, vendo o sangue que corria do bandido caído bem ali aos seus pés , o rapaz pôs-se a desmaiar outra vez.

Agora, porém, o desconhecido o pegou nos braços, muito antes que pudesse o desfalecido garoto tocar o chão.

Enquanto o misterioso salvador do jovem caminhava com seu protegido nos braços, bulevar acima, pegou-lhe da mochila uma agenda e verificou o endereço da casa do rapaz.

Dez quarteirões vencidos e, agora, uma quadra a mais e o garoto estava depositado no portão, apoiado pelas costas no muro da casa.

A campainha foi tocada e um homem e uma mulher saíram, quase que imediatamente. Ele, um velho magro, muito alto, careca e com um enorme bigode preto, vestia pijamas de bolinhas azuis e calçava sandálias de couro marrom. Ela, uma velha baixinha, muito gorda e com bobes presos à cabeça, vestia uma camisola de renda branca apertada que não lhe cobria mais que um terço das coxas enormes e calçava chinelos verdes, tipo havaiana. Atrás deles, vinha uma jovem com cabelos vermelhos desgrenhados, com a face cheia de um creme branco que lhe escorria pelo nariz e pescoço. Ela vestia camiseta rosa e bermuda jeans azul. Nos pés, uma pantufa amarela que lhe deixava os calcanhares de fora. Ao verem o jovem sentado no chão, daquele modo, apoiado no muro e claramente desacordado, , começaram a gritar: – “meu Deus! Que aconteceu?” “Que foi, meu filho?” “Ele está doente, marido!” “Ele está passando mal, mulher!” “Chame o médico, pai!” “Vizinho? Acuda, pelo amor de Deus!” Todos gritavam ao mesmo tempo, as vozes sobrepondo-se umas às outras. No entanto, ninguém fazia nada.

Com o berreiro, o adolescente recobrou os sentidos e, depois de alguns segundos estava sobre os pés novamente, porém agora ia carregado pelos familiares, que por esse momento não ouviam o que o jovem dizia que um homem misterioso o salvara de ladrões assassinos e que precisavam agradecê-lo pelo que fizera.

Durante esse breve momento de grande profusão de gritos e portas e janelas batendo ao serem abertas abruptamente, o desconhecido, novamente acolhido pelas sombras, observava tudo, sem ser visto, ouvido ou percebido.

Acalmada a rua, com o retorno dos moradores às suas casas, ele se pôs, então, a caminhar em direção ao seu prédio, assoviando uma canção de cuja letra não tinha certeza e de cuja melodia não conhecia integralmente. Mas essa canção lhe servia para o momento, para essa noite tão agradável, cuja lua parecia convidar ao amor, à paixão, aos carinhos de uma mulher, cujos braços ele ainda não sentira e cujos lábios ele ainda não provara.

Fim

 

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